Segunda-feira, 16 de Maio de 2011
A técnica do parasita impede que a infecção seja mais grave nas crianças
A técnica do parasita impede que a infecção seja mais grave nas crianças (Katrina Manson/Reuters (aqruivo))

O parasita da malária quando está no sangue boicota a possibilidade de novas infecções no fígado. Faz isto retirando o ferro da circulação. A descoberta feita por uma equipa do Instituto de Medicina Molecular (IMM), em Lisboa, foi publicada este domingo na revista Nature Medicine.

 

Quem vive em regiões endémicas de malária está susceptível a ser picado por mosquitos infectados pelo Plasmodium cerca de 700 vezes por ano. “Portanto, é-se picado mais de uma vez por dia”, disse ao PÚBLICO Maria Mota, última autora do artigo feito por onze pessoas e líder do grupo do IMM. O mosquito introduz o parasita no corpo, este instala-se nas células do fígado onde ao fim de alguns dias multiplica-se de uma só vez em milhares. Os novos parasitas voltam para o sangue onde se multiplicam novamente nos glóbulos vermelhos, ciclicamente.

Quando se dá o rebentamento das células sanguíneas, os sintomas da malária aparecem: febres altas, dores por todo o corpo. A infecção pode durar meses. O mais certo é que a pessoa continue a ser picada inúmeras vezes e mais parasitas entrem no corpo. Mas ninguém sabia ao certo o que acontecia a estas novas infecções.

Maria Mota fez esta questão à sua aluna de doutoramento, Sílvia Portugal, primeira autora do artigo. A resposta foi uma surpresa: nos ratinhos, utilizando parasitas mutados que dão luz, percebeu-se que quando os mamíferos já tinham uma infecção no sangue, os novos parasitas paravam o desenvolvimento depois de chegarem às células do fígado. “Foi o oposto da minha hipótese”, confessou Maria Mota, que pensava que os parasitas se ajudassem.

Tentaram perceber como é que a reprodução no fígado era impedida. Verificaram quais os genes é que estavam a ser expressos nas células do fígado, testaram se o fenómeno era causado por elementos do sistema imunitário e nada. Até que ao conversar com um especialista de malária e de ferro, Hal Drakesmith, da Universidade de Oxford, que acabou por fazer parte do estudo, surgiu a ideia de testar uma proteína chamada hepcidina.

A hepcidina é um controlador do ferro. “O ferro é tão importante em tanta coisa que está sempre a andar de um lado para o outro”, disse a Maria Mota. Mas quando há a mais, o fígado produz hepcidina que impede o ferro de ser absorvido nos intestinos e obriga os macrófagos, células do sistema imunitário, a acumular o ferro em circulação. De repente, o corpo fica sem este elemento. 

A equipa foi testar o que se passava com a proteína quando o parasita da malária está no sangue. “Os resultados foram perfeitos, a hepcidina foi aumentada.” Os parasitas provocavam a produção de hepcidina no fígado, o que retirava o ferro do organismo dos ratinhos e boicotava novas infecções.

Isto pode ter influência na sobrevivência humana. A maior parte das mortes de malária, 880 mil em 2009, ocorrem até aos cinco anos. Quando as crianças ainda não desenvolveram uma imunidade à malária, que controla bastante a força da infecção. 

A equipa construiu um modelo que mostra que só depois dos cinco anos é que aparecem várias infecções diferentes de malária no sangue. Quando já há imunidade e o número de parasitas que sobrevivem no sangue é muito mais baixo, permitindo haver novas infecções. 

As crianças mais pequenas, só terão uma infecção de cada vez no sangue, muito mais violenta. “Faz todo o sentido, se até aos cinco anos as crianças ficassem sempre infectadas sempre que fossem picadas, nenhuma sobrevivia”, explica a investigadora. “O parasita não se interessa por isso.” 

Em 2006, a revista Lancet publicou o artigo da Universidade de Johns Hopkins, em Baltimore, Estados Unidos que lançou controvérsia. Os cientistas deram ferro e ácido fólico a crianças com idades entre um e 35 meses durante um estudo experimental em 2003, na ilha de Pemba, na Tanzânia,onde há situações graves de anemia. Apesar da doença poder ser combatida com estes suplementos, havia a preocupação de crianças com malária reagirem mal. O que se comprovou, houve uma mortalidade 15 por cento acima do normal nas 16.070 crianças testadas.

O que aconteceu na Tanzânia pode ser explicado por este estudo português. O ferro administrado talvez tenha permitido o desenvolvimento de novas infecções. “Eu nunca faria uma experiência para administrar ferro a todas [as crianças]”, disse Maria Mota. Mas a cientista explica que a anemia é um problema grave em África, que mata, e admite que “individualmente cada médico é que tem que decidir”.

 

Via Público



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