O Festival de Músicas do Mundo de Sines, possivelmente o mais familiar dos festivais de Verão realizados em Portugal, entra hoje numa edição - a 13.ª -, cujo número poderia deixar os mais supersticiosos assustados. Mas perante um cartaz de abertura como o de hoje à noite mesmo os mais influenciáveis pelas superstições venceriam os seus medos: da voz do português António Zambujo aos desvarios dos Secret Chiefs 3, passando pelo funk total do senegalês Cheikh Lô e pelos alaúdes do trio Jourban, a estreia do FMM faz jus a todos os elogios que foi conquistando ao longo dos anos.
Tirando as próximas segunda e terça-feira, o festival entra em regime non-stop até ao próximo sábado, dia 30, quando a veterana dupla rítmica da Jamaica, Sly & Robbie (no palco do Castelo de Sines), e a Kumpania Algazarra (na Avenida da Praia) encerram as festividades. Ainda assim são menos datas que em edições anteriores, quando o FMM tinha um prolongamento em Porto Covo. Esta versão redux, no entanto, tem como vantagem obrigar a optar apenas pelos nomes mais fortes.
Considerado recentemente pela Songlines, uma das publicações mais relevantes do género World, como um dos 25 melhores festivais do mundo, o FMM faz jus ao elogio desde a primeira hora. Se a mencionada noite de hoje é, a todos os títulos, tão ecléctica quanto imbatível, o dia de amanhã procura não lhe ficar atrás.
A noite, no Castelo, é fechada pelos Berrogüetto. Exemplares da nova música da Galiza - um género que, talvez pela presença das gaitas, teve muitos adeptos em Portugal até há pouco tempo e que desde a passagem dos Kila não estava devidamente representado em Sines -, os Berrogüetto têm um som que facilmente conseguirá pôr uns valentes milhares a dançar, apesar de serem desconhecidos do público.
Pôr a dançar é a obrigação de todos os músicos que fecham as noites de Sines com os concertos na Avenida da Praia, uma tarefa que já vimos os Congotronics cumprir exemplarmente. Terão de o efectuar novamente no sábado, no que será uma das experiências mais curiosas do festival. Originário do Congo, este colectivo de músicos usa uma espécie de harpa metálica com reverberação para criar um groove que tanto apela aos amantes da electrónica como do rock. No sábado essa proximidade será ainda mais sublinhada quando os Congotronics subirem ao palco para uma luta com uma trupe de rockeiros ocidentais que promete tanto ruído quanto balanço.
Para domingo programou-se uma noite menos arriscada mas fortíssima em termos de nomes. Temos Luísa Maíta, uma das maiores revelações recentes da música brasileira, mas mais que tudo temos o magnífico espectáculo de Tangos y Jaleos, um colectivo da Extremadura que retira o tango de todos os coletes de forças e o devolve às tabernas. Como se não bastasse, Ebo Taylor, nome clássico do afro-beat do Gana, apresenta-se na Avenida da Praia.
Podíamos esperar que o próximo (e último) fim-de-semana fosse menos experimental em termos de programação e mais "clássico". É o oposto - o que demonstra que em Sines continua a haver um saudável humor e crença no risco e na disponibilidade do público. Exemplifiquemos com os Ayarkhaan, que abrem a noite no Castelo na sexta: a música deste colectivo da república russa da Iacútia recupera cantos e instrumentos locais. É uma belíssima música, mas não propriamente a mais acessível. Nesse aspecto há mais probabilidade de o cruzamento entre o rock e música árabe dos alemães Dissidenten cair facilmente no goto dos festivaleiros - há algo de muito acessível naquele rock arábico cheio de groove. Faça-se ainda um destaque para o concerto que encerra a noite na Avenida, do projecto açoriano O Experimentar Na M"Incomoda: é das mais belas recriações de música popular portuguesa que este país conheceu nos últimos anos e tem passado mediaticamente ao lado de toda a gente.
A última noite de Sines é, como de tradição, fortíssima. Qualquer nome merece palmas, mas o cabo-verdiano Mário Lúcio, antigo líder dos Simentera lançado numa imparável carreira a solo em que recupera as tradições menos óbvias da sua terra natal, tem de ser destaque absoluto. E o mesmo para Sly & Robbie, a dupla de baixo e bateria que atravessou uma boa parte da música jamaicana e ainda chegou a gravar com Dylan. Para o final programou-se, na Avenida da Praia, a Kumpania Algazarra, o que significa, basicamente, confusão total.