Não existia. Foi uma receita criada para o concurso das sete maravilhas da gastronomia portuguesa. "É um prato de autor que não fazia parte do receituário da região", confessa Octávio Freitas, chefe executivo do Hotel Four Views Baía & Oásis, no Funchal, responsável pela confecção dos pratos que a Região Autónoma da Madeira apresentou como candidatos e autor da receita de coelho de Porto Santo à caçador.
"O Porto Santo nunca teve referências gastronómicas próprias e eu quis mudar essa situação. Imaginei-me a cozinhar com os ingredientes de há 200 ou 300anos, só com o que havia na ilha, daí que esta seja uma receita muito simples que inclui cebola brava e ervas características da serra", explica. Se a confecção é fácil, difícil será encontrar alguns dos ingredientes fora do contexto daquela ilha, sobretudo aquele que é imprescindível: o coelho, uma peça que, segundo o chefe, tem características únicas. "É uma carne muito particular, recebe uma forte influência da maresia.
Contudo, como a época de caça abrange apenas Setembro e Outubro, não existe em quantidade para produzir o coelho em larga escala". Ainda que assuma a sua visão de que a gastronomia "são novas formas de interpretar velhos sabores", Octávio Freitas remata com um desabafo: "Nunca pensei que este fosse o prato escolhido pela organização do concurso".
O lamento repete-se do lado da Confraria Gastronómica da Madeira, pela voz do presidente Gregório Freitas: "Enquanto a espetada ou o bolo do caco têm um impacto económico forte e chegam a milhares de pessoas, este prato não". Dos 18 inicialmente propostos, entre os quais a famosa espetada madeirense, o coelho de Porto Santo à caçador foi o eleito pelo júri para seguir no concurso e disputar o título de melhor prato de caça.
"A princípio a nossa reacção foi desligar-nos do processo. Entretanto, não quisemos desperdiçar esta oportunidade". O que se tem traduzido em alguns eventos de apresentação do prato em restaurantes da Madeira e do continente para angariar o apoio e os votos em torno de um candidato que, para Gregório Freitas, não reúne consenso. "A maioria dos madeirenses não conhece este prato e, mesmo em Porto Santo, só pessoas de idade avançada o conhecem".
A pergunta torna-se inevitável: por que foi este prato candidato? "A confraria apresentou alguns pratos regionais para os divulgar porque vários tinham caído em desuso. Nunca pensámos que este fosse o sobrevivente", conclui.
Receita
Corte a peça de carne em nacos e tempere a gosto com 12 horas de antecedência. Coza a carne durante meia hora em água sem tempero. Corte os talos de cebola em rodelas e esmague os alhos e refogue com banha de porco juntamente com a carne pré-cozida caramelizando até obter cor dourada. Adicione o vinho e o caldo da cozedura até cobrir a carne. Deixe cozinhar em lume brando e finalize com umas gotas de vinagre de vinho.
Via Público