Terça-feira, 13 de Setembro de 2011
Xarém com conquilhas

Foi no meio dos preparativos para um animado Festival do Marisco, em Olhão, que provámos o xarém com conquilhas o único representante do Algarve no concurso das sete maravilhas da gastronomia. É um prato que nasce do encontro da serra com o litoral. É com ele que termina a série dedicada a 21 maravilhas da gastronomia portuguesa.

Lá fora está quase a começar um barulho ensurdecedor. Está montado o palco para o Festival do Marisco de Olhão, são esperadas milhares de pessoas, há fileiras e fileiras de mesas e cadeiras brancas, muito arrumadas à espera da multidão que a partir do final da tarde há-de encher o Jardim do Pescador Olhanense para comer o marisco do Algarve.

Daí a pouco vão começar os ensaios de música, e vai deixar de ser possível conversar. Mas por enquanto ainda se consegue ouvir o que José Manuel Alves, grão-mestre da Confraria dos Gastrónomos do Algarve, tem para dizer. Encontramo-nos à porta do Restaurante O Horta, em frente do qual foi montado o festival. Lá dentro, Nuno Horta, que é, com a irmã, proprietário do restaurante, está numa azáfama para servir os almoços até às três, hora a que vai mudar-se de armas de bagagens para o recinto do festival.

Mas temos tempo para o que viemos aqui fazer: provar o xarém com conquilhas, o único prato que representa o Algarve na fase final do concurso para escolher entre 21 as sete maravilhas da gastronomia portuguesa. José Manuel Alves não se conforma por ver que uma região com uma gastronomia tão rica chegou apenas com um prato à final. E para provar que é verdade traz até uma lista com alguns exemplos de pratos um levantamento que, como grão-mestre da confraria, tem vindo a fazer de receitas que, em alguns casos, já só os mais velhos sabem fazer. São iguarias como ostras na brasa, papas de milho com presinhos de porco, de Cacela Velha, sopa de vagens, jantar de grão ou cozinha de batata, de Cachopo, na zona de Tavira, ou sopa montanheira e chícharos à moda de Estói.

Enfim, mas não podemos deixar que esta riqueza gastronómica nos distraia do propósito que aqui nos trouxe: o xarém. "A gastronomia algarvia é uma das mais ricas de Portugal, precisamente porque é muito difícil encontrar outra que reúna o litoral, o barrocal e a serra".

O xarém é um exemplo disso. "O litoral era a parte mais pobre do Algarve e os habitantes iam à serra e trocavam os mariscos e o peixe pelo milho". É desta junção do milho da serra com as conquilhas do mar que surge o xarém, prato de pobres, em que até o que parece bocadinhos de carne é pão frito a imitá-la.

Portanto, se há uma palavra-chave nesta história ela é: milho. "A serra vivia muito dos milhos e da caça". A história do milho no Algarve começa com os árabes, que introduziram um tipo de milho mais grosso na região onde, até então, só havia "um tipo de milho miúdo que ninguém comia". O clima era bom, e havia outra vantagem é que enquanto o trigo, por exemplo, pagava tributo, o milho estava isento. Não é por acaso que o xarém tem este nome. A palavra, explica José Manuel Alves, vem do árabe "zerem", embora em algumas zonas do Algarve lhes chamem apenas papas de milho.

Começaram-se, portanto, a fazer as papas de milho, que podiam ser mais ralas ou mais grossas, e neste caso como acontece ainda hoje podiam até ser comidas à fatia. Depois foi só juntar-lhes as conquilhas, os bocadinhos de pão frito (com a gordura da fritura, para dar sabor) e uns bocadinhos de toucinho.

Era assim e continua a ser: o que faz um bom xarém é um bom milho. "Se tiver um bom milho, o xarém aceita tudo o que se lhe puser." E o conselho de José Manuel Alves é ir por exemplo à praça de Portimão, procurar a zona onde estão os monchiqueiros (os de Monchique), e comprar-lhes uns milhos ou uma farinha para xarém. "As casas da serra costumavam ter uma mó manual, a molineta, que vem do tempo dos romanos, e da qual sai um milho relativamente grosso."

Mais um conselho: nunca deixar de mexer as papas enquanto estas estão ao lume. "Quando começam a fazer barrigas de velha [pequenos balões de ar], já estão em condições." E, se se quiser ser criativo, pode-se juntar outros ingredientes. "Há as papas da caldeirada, ou com sardinhas, outros servem o xarém com camarão."

Nuno Horta traz para a mesa um xarém (que vamos comer como entrada) de um amarelo vivo, muito gostoso e cheio de conquilhas. Há quem o coma como prato principal, mas nós vamos ter ainda uma dourada grelhada acompanhada com açorda de marisco, e um vinho algarvio, o João Clara, que Nuno Horta diz não se cansar de promover porque já é tempo de os restaurantes algarvios apostarem nos bons vinhos da região.

José Manuel Alves continua a contar como o encontro entre o mar e a serra deu coisas únicas à cozinha algarvia. "Num espaço de cinco quilómetros encontramos dez receitas diferentes". Anda pelas aldeias a perguntar 'então, aqui onde é que se come bem?' e há sempre alguém que diz 'ah, ali a dona Maria é uma grande cozinheira', e depois a dona Maria tem uma vizinha que também sabe umas receitas. E José Manuel Alves que tem também o siteGastronomias, com um roteiro gastronómico de Portugal toma nota para no fim-de-semana, em casa, experimentar e ver como resulta. Tem encontrado coisas que o deixam encantado, como o cozido de grão com pêra corno, e várias receitas com outro produto que foi uma importante base da alimentação na serra, as castanhas. Ou ainda uns milhos aferventados, cuja confecção ele explica agora. "Começa-se por escolher uma boa lenha para fazer uma boa cinza. Põe-se a panela ao lume e quando começa a ferver põem-se os milhos e peneira-se lá para dentro um bocado de cinza." Os milhos são cozinhados nessa água com a cinza.

Mas chega de receitas. Nuno Horta já tem tudo arrumado para ir para o Festival do Marisco, e nós, depois de terminarmos um excelente D. Rodrigo (doce algarvio feito de ovos e acúçar e embrulhado em papel de prata), temos que sair do restaurante ("ao menos o D. Rodrigo podia estar entre os candidatos ao concurso", lamenta ainda o confrade).

O barulhento ensaio de música já começou, perante o olhar atento de alguns curiosos que pararam à entrada do recinto. No interior, há já muita gente a trabalhar. São sobretudo mulheres, à volta de grandes panelas, numa espécie de linha de montagem em que uma corta as batatas, outra os pimentos, outra as cebolas e os alhos.

Ainda está tudo cru. José Manuel Alves brinca perguntando se se pode provar alguma coisa, as mulheres riem e dizem que só mais logo. "Ainda não está nada cozinhado." Vai haver mariscadas, feijoadas de marisco, marisco de todas as formas, e até paellas. O xarém também estará lá, mas nem todos os restaurantes o servem. Apesar disso, há um espaço próprio para as pessoas irem votar nele para o concurso das maravilhas. No espaço do Restaurante O Horta há um grande cartaz a lembrar a maravilha que o Algarve tem a concurso. Mas José Manuel Alves não se conforma ainda está a pensar em todas as outras maravilhas algarvias que ficaram esquecidas.

 

Receita

 

Põem-se as conquilhas (um quilo, para cinco pessoas) de molho em água e sal para largarem a areia. Leva-se ao lume uma panela com três litros de água temperada com sal. Assim que a água estiver morna começa a deitar-se o milho em chuva. Vai-se mexendo sempre com uma colher de pau. Entretanto corta-se o toucinho (200g) em bocadinhos e frita-se, assim como quadradinhos de pão. Deita-se no milho que está a cozer. Quando o milho fizer barrigas de velha, juntam-se as conquilhas que abrirão dentro do milho (outra versão é abrir as conquilhas fora, numa frigideira, e juntá-las depois às papas de milho). Pode-se também juntar coentros picados. No final junta-se uma colher de sopa de banha, rectifica-se de sal e serve-se.  

 

Via Público

 



publicado por olhar para o mundo às 08:57 | link do post | comentar

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