Sexta-feira, 16 de Setembro de 2011

 

Entre

 

Carlos e Carmo não param. Têm que ordenhar um rebanho de 100 ovelhas duas vezes ao dia, fazer o queijo e o requeijão, acompanhar a cura, mudar "fraldinhas", tratar os cardos. Fazer queijo da Serra dá muito trabalho. Mas para eles é uma paixão.

 

Temos de reconhecer que não é fácil um casal instalar-se num hotel - mesmo que seja um turismo rural - acompanhado por um rebanho de ovelhas. Esta é a principal razão pela qual Carlos Lopes e a mulher, Maria do Carmo, não têm férias. O rebanho está ali nos campos, e os dois, para além de produtores de Queijo Serra da Estrela são pastores. O que significa muito trabalho.

 

Agora estamos no Verão e o ritmo de trabalho não é o mesmo. Ao final da manhã, quando chegamos à Quinta do Patarrego, em Germil, Penalva do Castelo, a calma é absoluta. O sol queima e conseguese ouvir o voo dos insectos. Na aldeia não se vê praticamente ninguém, mas as setas indicam o caminho para a queijaria.

 

As ovelhas têm que ser ordenhadas duas vezes ao dia, explica Carmo. "Às cinco, seis da manhã temos a primeira ordenha, depois lá para as cinco da tarde outra." Três horas de cada vez para ordenhar à mão as 100 ovelhas. Chegam a acabar os queijos do dia já perto da meia-noite.


A única familiar que sabia de queijos era uma tia, que tinha um rebanho. "Os primeiros passos foram com ela, e depois com os anos fui aperfeiçoando." Nesses tempos, antes da ASAE, os queijos eram fabricados em casa das pessoas. "Toda a gente fazia o queijo nas cozinhas", recorda Carlos. E nada de câmaras frigoríficas. "Dependíamos do chão de pedra para regular as temperaturas e a humidade, e as pessoas diziam 'Quero o queijo de Janeiro', que era o que tinha sido curado com baixas temperaturas e maior humidade." Ainda há clientes que dizem ter saudades desse ambiente, garante Maria do Carmo.Produzir queijo da Serra "tem de ser um trabalho familiar e sem horários", conclui Carlos, que começou a fazer queijo há 24 anos, quase por curiosidade (a família era mais ligada às carnes), e que nunca mais largou. "Foi uma aventura... mas as coisas vão-se enraizando. Provavelmente não pensei que perdurasse tanto tempo."

 

Muita coisa mudou, entretanto. Hoje não vamos poder ver o fabrico do queijo, porque nesta altura do ano não se faz queijo da Serra, mas Carlos e Carmo levam-nos a visitar a queijaria para explicar todo o processo. Já não é preciso ficar junto à lareira e mexer sempre o leite, pacientemente, até ele coagular. "Chegávamos a estar meio dia aqui a mexer." Agora têm uma cuba de coagulação que leva 100 litros (usam o leite do rebanho que têm e compram leite a outros pastores, para produzir por dia cerca de 30 quilos de queijo, na época que vai de Outubro a Junho) e demora uma hora.

 

Nos últimos dias, Carmo tem andado a aparar os cardos que estão lá fora - aqueles que têm uma cabecinha cheia de pelinhos entre o roxo e o azulado. É o cardo Cynara cardunculos, usado para coalhar o leite, e junto à cozinha há já uma caixa cheia dele. Só cresce nesta altura, por isso é preciso apanhar agora, secar "à sombra, como o chá", e guardar para o resto do ano. Vão-se tirando quantidades muito pequenas que se maceram num almofariz e, depois de coado, se junta ao leite, ao mesmo tempo que o sal. O queijo pode ser mais ou menos amargo consoante a quantidade de cardo - e há pequenas diferenças entre os vários produtores.

 

Via Público



publicado por olhar para o mundo às 10:53 | link do post | comentar

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