Notícia amarga para uma obra plena. Que assim seja. Ficam futuras reedições e uma discografia que é obra
É coisa que não se faz, dizer "chega, acabou" na internet, sem aviso. Compreendia-se se as despedidas fossem as de outros, de alguém que não tivesse marcado as últimas três décadas do rock''n''roll. Mas neste caso, e no mínimo, exigia-se uma digressão de despedida, um "I love you all" respondido em coro por qualquer público, fosse qual fosse a nacionalidade. Os R.E.M. alcançaram o feito de agradar a tudo o que é gosto, dos mais dados às coisas do mainstream aos que nunca comem tudo o que está no prato, porque há gordura a mais ou sal a menos. A banda anunciou ontem o encerramento da actividade no seu site oficial (remhq.com) e nós ficámos a ver a notícia passar.
A parte importante desta história: os porquês. Michael Stipe, voz, atitude e símbolo fotográfico do grupo, pegou numa frase sábia sem dono e disse "o segredo em participar numa festa está em saber quando chega a hora de ir embora". Peter Buck, o herói das guitarras de garagem feito adulto tranquilamente criativo, deixou apenas um "ficamos todos amigos e de certeza que nos vamos encontrar várias vezes". E Mike Mills, baixista e o que mais houvesse para fazer nas canções do grupo, foi o mais objectivo: "Durante a última digressão, e já enquanto fazíamos ''Collapse into Now'' [o álbum editado em Março deste ano], perguntámo-nos ''e agora, o que fazemos agora?''. Percebemos que o nosso ciclo se fechava naturalmente." De resto, os músicos multiplicaram-se em agradecimentos mútuos e outros tantos dedicados aos fãs.
O que podem esperar estes últimos? Para já, aguardam-se inevitáveis edições e reedições, no formato best of, live, b-sides e noutras expressões anglófonas. Mas o mais saudável - e obrigatório, arriscamos dizer - é regressar à obra do grupo, um compêndio pop que recuperou, reinventou e gerou ramificações que ainda hoje lhe devem vassalagem. Os R.E.M. surgiram em Athens, no estado da Georgia, em 1981 (com o brilhante single "Radio Free Europe"), para dizer que dos brainstormings universitários nascia uma nova forma de entender o pós-punk e o hardcore americanos. Que era possível pegar em irritação (conhecida também como rebeldia sem grandes motivos) juvenil e transformá--la em canções para ouvidos grandes. Começaram nos álbuns com "Murmur", em 1983 (e se há obras-primas são coisas como esta), e foram até ao século xxi fazendo do punk oleoso coisa açucarada, viajando entre a electricidade e as paisagens acústicas com a mesma naturalidade e contundência. Fizeram hinos tão melancólicos ("Everybody Hurts") quanto indisciplinados ("It''s the End of the World"), foram do indie-alternativo-mal-temos-dinheiro-para-gravar-isto aos contratos milionários, como o que assinaram com a Warner na altura de "New Adventures in Hi-Fi". E coleccionavam uma legião de ansiosos apaixonados de cada vez que anunciavam um álbum novo ou um regresso às digressões.
São tanto de "Loosing My Religion" como de "Harborcoat" e assim continuarão. Por tamanha abrangência, condicionaram os gostos de muitos à sua herança. Acabar assim devia ser acto próximo de crime. Malditos sejam nas suas bem-aventuranças.
Via Ionline