Terça-feira, 25 de Outubro de 2011

Recebo, todos os dias, emails sobre as pensões dos políticos. As pessoas, muito indignadas e muito educadas, dizem que "aquele bandido saca 5000 euros" e que "aquele ladrão leva 4000 euros todos os meses". Estes gritos são, no fundo, a actualização do "é fartar, vilanagem". Ora, o problema não está nesta raiva, aliás, salutar. O problema está no pressuposto populista da raiva: as pessoas acreditam que o cancelamento dessas pensões seria o suficiente para resolvermos o maldito défice. Basta estar atento ao grito central das greves e manifs: "eles ficam com tudo". Este eles surge como uma entidade fantasmagórica que tudo controla e que tudo suga. Sem o eles, supõe-se que Portugal seria um paraíso.

 

Este ódio ao eles é visceralmente português. O ódio aos políticos e ao parlamento é a tradição mais marcante da nossa cultura política. Marcou Eça e Oliveira Martins, marcou Salazar e marca, por exemplo, Cavaco Silva. Cavaco é o não-político, é o político apolítico. Aliás, todos os candidatos a Belém procuram o estatuto de independente-que-paira-acima-da-política. Porquê? Porque nenhum português é imune a esta obsessão apolítica ou anti-política. Quando ouvi Vítor Gaspar anunciar os cortes nas subvenções dos políticos, confesso que comemorei essa decisão como se fosse um golo do Benfas. Mas, chegados aqui, importa fazer a pergunta chata: será que este problema é assim tão importante? Estatisticamente não é. As tais pensões dos políticos custaram até hoje 90 milhões de euros; para o próximo ano, estão previstos 7,8 milhões (Correio da Manhã, 20 de Outubro). Uma gota no oceano, portanto. Quando pensa que basta acabar com eles para resolvermos o assunto, a malta está a navegar em águas populistas, evitando assim o confronto com a realidade. Enquanto marina neste ódio anti-políticos, a malta - no café e na internet - evita enfrentar um pormenor: os cortes têm de atingir toda a gente, até porque a culpa não é só dos políticos.

 

Contudo, esta discussão não acaba aqui. Embora seja estatisticamente irrelevante, esta questão é altamente simbólica. E os símbolos e os exemplos são fundamentais na vidinha de uma nação. Antes de ser um bolso, cheio ou vazio, uma nação é uma atitude, é vergonha na cara. Portanto, o governo tinha mesmo de cortar as subvenções políticas num valor equivalente ao corte nos subsídios . Quem lidera ou quem liderou um país tem de dar o exemplo. É assim que se consegue transformar poder em legitimidade. E, neste sentido, temos ainda de atacar outro problema moral levantado por Vítor Gaspar : não é aceitável que x receba duas pensões, a normal (a da sua profissão) e a subvenção política. Não é aceitável. Tal como não é aceitável que x acumule esta subvenção com um salário. Por outras palavras, as subvenções dadas a figurões como Armando Vara, Dias Loureiro, Ferreira do Amaral, Ângelo Correia ou Jorge Coelho são inaceitáveis, e têm de acabar. Já. Uma economia não se anima por decreto. Mas a decência está mesmo ao alcance de um decreto. 

 

PSparece que a decência vai mesmo aparecer.

 

Via Expresso



publicado por olhar para o mundo às 17:10 | link do post | comentar

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