Sábado, 5 de Novembro de 2011
Uma espetada de queijo e enchidos.

Uma espetada de queijo e enchidos. Daniel Rocha

 

Passeámos entre "tasquinhas", concursos de petiscos e demonstrações culinárias, com um almoço alentejano pelo meio. Deixamos-lhe quatro pistas para saborear o Festival Nacional de Gastronomia, onde se reúnem restaurantes e produtores de todo o país, até 6 de Novembro.

 

Alberto e o porco bísaro


Ainda há um minuto estávamos a ser apresentados a Alberto Fernandes e já ele nos aparece com um prato de presunto de porco bísaro e uma garrafa de vinho branco na mão. Senta-se a conversar connosco na mesa de madeira corrida ao lado do local de venda dos seus enchidos Bísaro na Feira de Santarém. Atrás do balcão, a tia, de cabelo branco e sorriso doce, vai atendendo os clientes enquanto Alberto, 27 anos, explica como este é um negócio de família que vem já do avô, o senhor Roberto, que até aparece no livro de Figuras Notáveis e Notórias Brangançanas, e também do pai, que continua em actividade.

Em Trás-os-Montes, Alberto deixou os 120 porcos de raça bísara soltos nos campos a comer abóbora, castanha e os cereais que fazem o sabor especial desta carne que a Bísaro Salsicharia Tradicional transforma depois em alheiras, chouriças, salpicão, azedo (enchido feito com carnes de porco e aves, com pão de trigo, azeite, colorau, alho e sal, preparado com tripa grossa e curado pelo fumo de lenha) ou butelo (feito com costela, suã, rabos e barbada do porco e também curado pelo fumo de lenha).

Quem o ouve falar percebe que Alberto tem uma paixão pelo negócio da família. Conta como há vinte anos se trabalhava apenas com o porco normal, porque o bísaro era considerado um animal "que não dava rendimento, porque em 120 quilos tinha 50 de gordura". Mas depois começou-se a cruzar com outras raças e foram-se conseguindo "óptimos resultados", que melhoraram ainda mais quando há cerca de ano e meio os animais passaram a andar à solta no campo.

E foram trabalhando também as receitas, reduzindo a quantidade de azeite das alheiras, por exemplo, para as aproximar do gosto dos consumidores de hoje. Agora vendem para as grandes superfícies e vão às feiras (foram recentemente convidados para uma no Japão). E quem quiser conhecer de perto a terra dos porcos bísaros pode sempre alugar uma das casas tradicionais adaptadas a turismo rural que Alberto e a família têm em Gimonde, Bragança.

 

Cacilda e os bolos


Cacilda Correia aparece, sorridente, no meio dos tabuleiros cheios de bolos da sua casa Pousadinha. Na parede atrás dela uma grande fotografia mostra duas freiras (na verdade duas funcionárias vestidas de freiras) a preparar os ricos recheios de ovos e amêndoas da doçaria conventual de Tentúgal. Os célebres pastéis lá estão, dourados e alinhados num dos tabuleiros.

Mas Cacilda conta-nos histórias de outros doces menos conhecidos. Os lacinhos, por exemplo, criação dela - inspirados no "presunto doce" do convento, são feitos com massa de amêndoa, fios de ovos e ovos moles - ou as carmelitas, também com massa de amêndoa, os fios de ovos, os ovos moles e ainda chila.

 

Desde pequena que Cacilda sonhava ser doceira, e quando surgiu a oportunidade de ficar com a Pousadinha, casa que tem já 25 anos de fama em Tentúgal, aproveitou. Depois foi mergulhar no receituário das freiras do Convento de Nossa Senhora do Carmo, recuperar algumas receitas e reinventar outras.

Há muitos anos que traz os seus doces para a Feira de Santarém, e os clientes fiéis fazem fila para comprar caixas com os mais variados bolos. "Muitos chegam aqui e perguntam logo pelas queijadas", conta, apontando para as queijadas, também elas douradas. "São feitas com queijo fresco, muito leve". E à despedida lança: "Têm que vir visitar-me a Tentúgal e provar também os meus salgadinhos." Ficou combinado.

 

A sopa do D. Joaquim


Joaquim de Almeida está a ouvir os elogios à refeição que o seu restaurante, o D. Joaquim, de Évora, acabou de servir num dos almoços temáticos do Festival de Gastronomia de Santarém - este dedicado ao Alentejo - quando nos aproximamos dele com uma pergunta: o que era a sopa?

Primeiro o nome: sargalheta. Joaquim explica que é o termo usado no Alentejo para sopas feitas com carnes fritas ou peixes do rio. O que ele fez foi pegar numa perdiz, tostá-la no forno e, aproveitando os sucos da assadura, utilizá-la para esta sopa, que leva também batata cortada em cubos pequenos, ovo desfeito, cebolas pequenas, alhos, coentros e vinagre. É a sargalheta de perdiz tostada no forno.

Antes disso, Joaquim apresentou as entradas: tiborna de tomate com enchidos sobre pão de trigo tostado, espetadas de linguiça de porco preto com pão de azeitonas e orégãos, e ovos mexidos com cogumelos silvestres sobre fatias de pão de milho. O prato principal foi almofada de porco preto, e para sobremesas houve sopa dourada do Convento de Santa Clara de Évora e migas doces de pão e amêndoa. Foi o almoço temático em torno do pão. Até ao fim do festival haverá outros almoços com temas que vão do peixe e marisco às tapas espanholas, passando pelo borrego bordalês. É só escolher.

 

A equipa olímpica júnior


O público já está sentado nas cadeiras à frente da cozinha preparada para as demonstrações culinárias quando a equipa olímpica de júniores chega para mostrar a que fez para ganhar a medalha de ouro numa prova realizada no ano passado no Luxemburgo. O chef Paulo Pinto vai descrevendo o que é o processo de selecção dos membros da equipa e o trabalho de preparação até às Olimpíadas (que se realizam no próximo ano na Alemanha), enquanto os três jovens chefs preparam tudo.

Dentro de pouco tempo o cheiro a refogado invade o ar. "Já cheira", comenta uma mulher na cadeira ao lado da nossa, esticando o pescoço para ver o que se passa dentro dos tachos. Mas o melhor mesmo é seguir as receitas pelo ecrã onde se pode ver bem as técnicas utilizadas. A mestria nas técnicas é uma das coisas mais importantes nestas provas, explica Carlos Madeira, o responsável pela logística das equipas júnior e sénior. "Eles vão fazendo várias provas internacionais e vão percebendo o que têm que ir alterando."

Não há aqui muito espaço para demonstrações de pratos ou produtos portugueses, embora as equipas tentem sempre utilizá-los - mas o importante é usar produtos e sabores que os júris internacionais consigam identificar para poderem avaliar. É um trabalho muito exigente. "Começámos com 60 pessoas e agora temos seis", diz Carlos Madeira. Mas o que interessa é que estes seis são os melhores, os mais persistentes e os mais motivados.

O "cremoso de bacalhau seco em crocante de massa filo" já está a ser desenformado por um chef muito atento aos gestos para que nada corra mal. Vamos ter que seguir e já não vamos assistir ao resto da demonstração. Mas podemos sempre voltar nos próximos dias porque a equipa olímpica vai continuar a andar pelo festival mostrando o que sabe fazer.


Festival Nacional de Gastronomia

Casa do Campinho
Campo Infante da Câmara
2000-014 Santarém
Tel.: 243330330/243325670
www.festivalnacionaldegastronomia.com
Até 6 de Novembro. De segunda a sexta, das 12h às 16h e das 19h às 24h. Sábados, domingos e feriados, das 12h às 24h
Entrada: 2,50€

 

 

Via Público



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