Domingo, 26 de Fevereiro de 2012
A entrega dos prémios é já neste domingo
A entrega dos prémios é já neste domingo (Reuters)

São os "prémios mais importantes do mundo" do cinema - mas sê-lo-ão realmente? À beira da cerimónia 2012, um crítico, um observador e um exibidor olham para os Óscares de Hollywood e para o modo como, num momento de velocidade e tecnologia, parecem este ano celebrar o classicismo.

"Os Óscares significarão realmente qualquer coisa? Provavelmente não, a não ser para os próprios nomeados, porque são degraus para atingirem melhores contratos, ganharem mais dinheiro."

Em duas frases, Aaron Hillis, crítico da revista nova-iorquina "The Village Voice" e programador do cinema independente ReRun Gastropub Theater em Brooklyn, define assim a importância dos prémios atribuídos anualmente pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Sem que isso implique, forçosamente, negar o seu valor ou o seu interesse, como diz ao Ípsilon desde Nova Iorque. "Acho que dizer que os Óscares não têm valor, ou criticá-los por serem tão mediáticos, é jogar com dados viciados - as pessoas já andam há décadas a dizer que os filmes cada vez interessam menos aos Óscares, é o espectáculo que interessa, é sobre isso que Hollywood é construída. Eles são quase um mal necessário, têm de ser tratados do modo ligeirinho e casual como são na realidade, algo que não é para ser levado muito a sério." 

Que o mesmo é dizer, a poucos dias da cerimónia que terá lugar em Los Angeles na madrugada de domingo para segunda-feira, os Óscares de Hollywood continuam a ser o que sempre foram. A saber, um imã mediático que ultrapassa a mera questão cinematográfica para se tornar numa celebração do cinema enquanto indústria, mais do que enquanto arte. Mesmo que, este ano, a lista dos nomeados - seleccionados de entre uma série muitas vezes previsível de filmes apoiados pelos grandes estúdios - proponha um peculiar olhar para a história do próprio cinema, para o passado que ficou lá atrás. 

Vibração clássica
Os dois filmes com mais nomeações em 2012 são "A Invenção de Hugo", de Martin Scorsese (que invoca os primórdios dos efeitos especiais e as "féeries" de Georges Méliès), e "O Artista", de Michel Hazanavicius (um filme mudo ambientado na passagem do cinema mudo para o sonoro). E muitos dos restantes nomeados também invocam o cinema clássico - quer seja a recriação de Marilyn Monroe por Michelle Williams em "A Minha Semana com Marilyn", a evocação de géneros clássicos como o filme de família ("Cavalo de Guerra", de Steven Spielberg) e o drama desportivo ("Jogada de Risco", de Bennett Miller), até o piscar de olhos ao cinema autoral da década de 1970 ("A Árvore da Vida", de Terrence Malick, e "Os Descendentes", de Alexander Payne). Meio a brincar, António Quintas, antigo director de marketing da Columbia Tristar Warner, hoje comentador do programa da RTP "Cinemax" sobre questões de bilheteira, diz ao Ípsilon que este ano "os membros da Academia ficaram caidinhos pela homenagem onanista à sua história". 

Desde Nova Iorque, Aaron Hillis reconhece a existência dessa "vibração clássica" dos nomeados deste ano, embora aponte que não se deva ver mais do que uma simples coincidência. "Não acho que tenha sido consciente. As decisões da Academia não são unânimes, implicam muita política, não sei se são necessariamente indicativas de uma cultura maior. Mas há de facto algo de interessante a dizer. Creio que os movimentos artísticos surgem maioritariamente como reacção ao que existiu antes, e agora que vivemos num mundo louco, pós-moderno, de sobrecargas sensoriais, acho que é natural querer regressar a ideias mais clássicas de fazer cinema. Estamos tão imersos na tecnologia, neste "tudo ao mesmo tempo agora" que nos parece mais honesto, puro, humano devolver as histórias às pessoas." 

Mas isso passa para o espectador médio que paga bilhete? Não, diz peremptoriamente Nuno Sousa, director de operações em Portugal das salas UCI (Corte Inglés em Lisboa, Dolce Vita Tejo na Amadora, Arrábida Shopping em Gaia). "Isso não passa necessariamente para o público, que não escolhe ir ver um filme por ter sentido essa homenagem ao cinema. Ele escolhe os filmes por outros motivos." E, se a utilidade dos Óscares pode ser, como diz António Quintas, "projectar filmes que de outra forma não teriam hipóteses na bilheteira", este ano os principais nomeados não estão a beneficiar grandemente de todo o barulho. "A Invenção de Hugo" está com uma performance mundial digna mas modesta (93 milhões de dólares de receita para um enorme orçamento de 170 milhões), e "O Artista" está longe de ser o grande êxito que a sua posição de favorito sugeriria. A questão do sucesso, contudo, não é entendida como significativa pelos entrevistados do Ípsilon, antes como puramente circunstancial. Para Aaron Hillis, "são filmes que devido às nomeações, vão ter uma longevidade muito grande na televisão, no DVD ou no que o vier substituir." António Quintas diz que "o sucesso dos filmes nomeados foi sempre uma questão muito irregular. E "O Artista" tem um problema básico que é ser um filme mudo, que as pessoas pura e simplesmente não querem ir ver." Nuno Sousa, que tem elevadas expectativas para "A Invenção de Hugo", não se confessa desiludido com os resultados de "O Artista" "porque por muito que seja um nomeado, sempre o vimos objectivamente como difícil. Não é um filme que conquiste públicos muito diferentes, e mesmo com o Óscar dificilmente será um filme de 200 mil espectadores" - número que, por exemplo, foi já ultrapassado em todo o mercado português por "Os Descendentes"

Receita
Mas existirá uma "receita" para um filme dos Óscares? "Ninguém faz um filme a pensar 'olha, tenho aqui um Óscar'", diz Aaron Hillis. "A indústria americana já não está no negócio de contar histórias, mas de vender ideias e "franchises", explorar ideias que já foram feitas. Por isso, quando há algo que se consegue esgueirar pelo meio e tende a ser mais adulto e maduro, a falar da condição humana, nota-se logo à distância como algo que merece o Óscar. Pessoalmente, nunca dou grande mérito aos vencedores porque geralmente o melhor filme é sempre mau ou anónimo. É muito raro que um "Este País Não É para Velhos" [de Joel e Ethan Coen] vença o prémio máximo." 

O crítico cita o caso de um dos nomeados 2012, "As Serviçais", o drama de Tate Taylor sobre as relações entre senhoras brancas e criadas negras no Sul americano dos anos 1960 - "adivinhei que ia estar entre os nomeados, porque é um filme pouco interessante, quase racista, com excelentes interpretações, é verdade. Mas é suficientemente apresentável e diferente do que Hollywood costuma fazer para estar lá." 

Curiosamente, este filme que se tornou num fenómeno de bilheteira (e de sociedade) nos EUA passou despercebido no resto do mundo, entendido como de interesse exclusivo para o público americano. Em Portugal, teve uma carreira modesta e discreta - mas para Nuno Sousa foi um dos sucessos do ano nos complexos UCI. "Ainda o temos em exibição cinco meses depois da estreia, e temos ainda hoje salas praticamente cheias em algumas sessões". Uma situação que, por exemplo, contrasta com "Jogada de Risco", história ambientada no baseball americano, "que apesar de ter Brad Pitt no papel principal", nomeado entretanto para o prémio de Melhor Actor, "não conseguiu furar em termos de público". 

Sousa avança que, nas salas UCI, "os dois-três primeiros meses do ano, nitidamente impulsionados pelos Óscares, são uma das nossas épocas mais importantes. Notamos claramente uma movimentação de público nas duas-três semanas anteriores à cerimónia, pessoas que não querem chegar aos Óscares sem terem visto os nomeados. E os vencedores dos prémios de melhor filme, melhor actor e melhor actriz impulsionam fortemente a carreira comercial durante duas a três semanas a seguir à cerimónia, mesmo que já tenham estreado há muito tempo e que já tenham tido muitos espectadores". Remata: "A questão do prestígio associada a um filme é importante para o nosso público, e o Óscar ainda dá prestígio; a ideia generalizada é que se está nos prémios é porque é bom."O que, paradoxalmente, não "joga" com a ideia que os observadores, e a própria indústria, fazem dos Óscares. "Nunca ninguém acusou os Óscares de fazerem escolhas difíceis. Eles querem continuar a apresentar algo com que as pessoas se sintam confortáveis, e nunca há grandes desafios", como diz Aaron Hillis. "Nunca gostei muito de desportos, a questão de torcer por este ou aquele filme comigo não funciona, mas pergunto-me sempre porque é que me deixo arrastar para a corrida aos Óscares quando sei que, no fim de contas, eles não têm nenhuma relevância especial?" 

António Quintas diz que os Óscares "continuam a ser os prémios mais importantes do mundo, mas neste momento mais por uma questão histórica do que por mérito próprio. Estão a perder a relevância porque a dinâmica do cinema está a mudar, o mercado está diferente - a receita de bilheteira americana era regra geral 60 por cento do total e o resto era internacional, agora é o contrário. E provavelmente existe uma desadequação dos prémios àquilo que é a realidade da indústria, porque estão ainda demasiado virados para o próprio umbigo; este ano os Óscares parecem ter temáticas demasiado americanas. A Academia vai ter de mudar as regras do jogo a curto prazo, começar a olhar mais para o resto do mundo."

Apesar de tudo, no entanto, ainda há espaço para surpresas, como confessa Aaron Hillis. "Nos Óscares nunca há grandes desafios, e é por isso que é tão entusiasmante ver "A Árvore da Vida" entre os nomeados, porque é algo que continua a ser um trabalho de artista que não encaixa nos padrões da Academia. Há algo de encantador e estranho e entusiasmante em ver estes filmes "esquisitos" como "A Invenção de Hugo" ou "O Artista" nomeados. E se conseguirem levar as pessoas a ir vê-los, porque não? Porque não ter uma cerimónia que entusiasme as pessoas?"

 

Via Público



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