Comecemos pelo princípio. "Isto é um clube privado para maiores de 21 anos. Para seres membro precisas do aval de um sócio, que afirma que és consumidor e estás disponível para fazer um consumo sério. A seguir, fazemos uma entrevista, tentando perceber se há algum problema ou consumo excessivo", explica Anna. "Entendemos que é melhor que o consumo seja acompanhado, mas nem todos passam na entrevista."
Segue-se a assinatura de um "contrato de consumo responsável", válido por um ano. Cada sócio paga uma quota de 10 euros, a ABCDA gere plantações para abastecer o consumo de todos, e a cannabis é levantada (comprada) na Rua do Mar, 6 gramas no máximo por dia.
Entre as dezenas de associações que surgiram nos últimos anos em Espanha, a maioria na Catalunha (100 mil associados) e no País Basco, algumas visam especialmente os consumidores terapêuticos, doentes crónicos ou com algum tipo de cancro que substituem parte da medicação por cannabis. Não é o caso da ACBDA, que tem 30% de consumidores destes e uma maioria de "consumidores lúdicos".
Em Espanha, o consumo de cannabis é legal, assim como o cultivo para consumo. "O tráfico, a venda e a facilitação a terceiros são ilegais. Temos pessoas mais velhas ou doentes que não podem vir aqui. É lógico que venha o filho ou um amigo, mas esses podem ser presos à porta", diz Anna.
Na verdade, qualquer sócio pode ser preso. Basta que não consuma no interior do clube. A posse também é ilegal. "Agora tem acontecido pouco. Mas às vezes polícias à paisana plantavam-se aqui na rua e apanhavam um sócio ou um funcionário", conta. O resultado eram algumas horas na esquadra – até ficar esclarecido que a pessoa pertence a uma associação.
O perigo continua por perto e Anna que o diga. Na tarde de 23 de Março, um dia depois da visita do PÚBLICO, foi presa dentro do clube e acusada de tráfico. "Rasquera voltou a apontar os holofotes para nós", desvaloriza. Bernard Pelissa, o presidente do município que hoje referenda a plantação que deverá passar a servir a ABCDA, denunciou a operação como "politicamente motivada" e destinada a confundir os seus eleitores. Até agora, sempre que a polícia entrou em associações a Justiça acabou por levantar acusações e arquivar processos.
A ABCDA tem dois anos. Com os esforços da associação, que colabora com instituições do bairro, do hospital ao convento de monjas, passando pelas festas de S. João, passou a fazer parte da vida da Barceloneta.
A ideia da plantação de Rasquera – se avançar, será a primeira na Europa gerida por uma empresa municipal – veio da ABCDA. Foram os seus dirigentes que contactaram Pelissa. Com uma dívida de 1,3 milhões de euros e os cofres vazios, Pelissa pensou: "Porque não?" A 29 de Fevereiro, o projecto foi aprovado pela assembleia municipal, com os votos dos cinco conselheiros eleitos pela Esquerda Republicana. Contra votaram os quatro da oposição da CiU (federação de partidos de direita).
"O alcalde é o verdadeiro protagonista, um visionário", diz Anna. A ABCDA não precisa de Rasquera, mas conseguir que a sua cannabis venha de uma empresa municipal seria um grande passo no sentido "de uma verdadeira regularização do cultivo, venda e consumo". Rasquera precisa dos 550 mil euros por ano que a ABCDA pagará pelo aluguer das terras e gastos com a segurança.
A Procuradoria catalã "abriu diligências", mas já adiantou que "o consumo colectivo é legal". Para além de servir a ABCDA, a cannabis será usada em investigação – a empresa municipal será dirigida por um especialista em Saúde Pública.Farto de não ter dinheiro para fazer política, Pelissa anunciou que se demite, se o "sim" não tiver 75%. A ABCDA tem plano B. Pelissa não.
Via Público