Hoje à noite na ZDB só vai haver uma rapariga em palco, sozinha, atrás de uma mesa com microfones e pedais de efeitos - coisas da família das guitarras mas que, pela mão desta americana, fizeram amizades com outros recursos. Como convencer alguém a estar presente no evento? Julianna, um pouco de ajuda, por favor: "Esta música é única, pelo menos tenho essa ideia." Afirmações assim, nascidas do ego, requerem confirmação. "Na verdade não tenho certeza disso", confessa, "mas fazer música assim pode deixar muito boa gente louca". "Música assim" é vozes em camadas, um instrumento único, manipulado até à exaustão, entre loops e outros efeitos afins. Dizer que mais ninguém o faz é como negar a existência de formas de vida fora deste planeta - escusado e inútil. Mas que não há ninguém a fazê-lo como Julianna Barwick, essa é uma quase certeza que assumimos nestas linhas.
Está tudo muito bem explicado em "The Magic Place", disco que pede licença a tudo o que possa ser distracção. Só assim vai chegar onde quer: ser um criador de paisagens e ambientes sonoros mas sem ser estático, procurando provocar e revoltar (a matéria a ser manipulada por esta música depende da bagagem de quem a ouve, mas o abanão é garantido). E é por isso que temos como legítima a pergunta "e o que pode acontecer com tudo isto ao vivo?". "Por norma, os meus concertos são momentos de calma e silêncio, de alguma veneração, até" - da música e dos seus efeitos, acrescentamos. Aqui não há fogo-de--artifício nem trocas de guitarras nem sete mudas de roupa. Ou, na perspectiva da artista em questão, "visualmente falando, o meu espectáculo não é dos mais entusiasmantes".
De onde vem esta vontade em ser tudo menos folclore rock''n''roll? Julianna Barwick tem morada fixa em Nova Iorque, move-se pelas ruas de Brooklyn, recheadas de gente pronta para mudar o mundo, criativamente falando. Barwick devia estar a liderar uma banda, a escrever letras de nonsense urbano, a ultrapassar relações ao exorcizá-las enquanto as canta para toda a gente ouvir. Nada disso. Razão número 1, Julianna não se dá bem em trabalhos de grupo: "Nunca poderia ter uma banda, sou muito individualista, não suporto a ideia de fazer música com mais pessoas." Razão número 2, esta música vai-se fazendo: "Tenho uma ideia, geralmente com a voz como ponto de partida. E vou trabalhando isso conforme o que vai acontecendo na minha cabeça." Ou seja, as ideias podem transformar-se em coisa concreta hoje, amanhã ou no mês que vem. "Não posso ter ninguém dependente deste meu feitio."
E pensar que tudo começou de forma bem mais calma. Em tempos, Julianna Barwick era criança/adolescente à espera de ser adulta num ambiente dividido entre a paisagem rural e a igreja - "Três vezes por semana, durante muitos anos", explica a artista, sem dar mais detalhes sobre esta educação eclesiástica. Mas a verdade é que esses tempos estão tão distantes como os dias de fazer canções no quarto, como quem joga Mikado (tentar, quase acertar, falhar, começar de novo, repetir as vezes necessárias, parar porque isto cansa). "À minha volta insistem em referir este meu passado como fundamental na minha música. Claro que é uma influência, mas quanto a ser esse o meu lugar mágico ["The Magic Place" é o título do álbum], tenho as minhas dúvidas."