Dúvida, silêncio, medo, revelação. Etapas por que passou o jovem Filipe, que na descoberta da sua homossexualidade “queria saber ao certo o que é ser gay”. Personagem de um livro de Margarida Fonseca Santos que sintetiza os relatos que escutou de rapazes e raparigas que querem evitar que outros sofram, como eles, “a violência dos silêncios”. Por isso é contado na primeira pessoa.
“Tinha de ser na primeira pessoa. É a melhor maneira de se sentir as várias dificuldades por que passa alguém que assume a sua homossexualidade ou qualquer outra coisa”, disse a autora no lançamento de Saber ao Certo, na semana passada em Lisboa, a assinalar o Dia Internacional das Famílias (15 de Maio) e o Dia Mundial Contra a Homofobia (17). E sublinhou querer “honrar todas as pessoas que aceitaram partilhar os seus percursos”.
A avaliar pelas famílias que encheram o Centro de Estudos Sociais-Lisboa e pelos agradecimentos públicos recebidos, terá conseguido.
A violência dos silêncios
Margarida Fonseca Santos aproveitou a expressão “violência dos silêncios”, usada por Paulo Corte-Real (da ILGA-Portugal) instantes antes da sua intervenção, para dizer: “É essa violência dos silêncios que mais me custa aceitar. Antes de o adolescente se assumir, contar, há muito silêncio sofrido.”
Esse terá sido “o motor mais forte” para escrever o livro, assim como “as dúvidas, o não se conseguir reconhecer, o ter receio de uma determinada atitude”. E lembrou: “A escolha é só essa, se ficamos escondidos ou se assumimos. A homossexualidade não é uma escolha.”
Também ela, ao escrever, teve medos: “Tive receio de fazer um livro que no fundo significasse que ser homossexual era ter entrada num determinado grupo. Precisamos de viver agrupados e, neste momento, nas escolas é algo muito complicado. Temos de passar e repetir a mensagem de que a homossexualidade não é uma escolha.”
Mãe de Filipe: “– O céu desabou sobre mim… – ouvi-a dizer em sussurros, numa conversa que não era comigo, nem devia ser ouvida por mim – mas foi um instante, um instante muito pequeno. É o meu filho, não muda nada. É o meu filho e eu gosto tanto dele que só me custa pensar nos dias todos que sofreu sem dizer nada!”
Mais mães que pais assistiram à apresentação de Saber ao Certo, uma edição bilingue (português e espanhol), da Editorial Estampa, ilustrada por Francisca Torres, criada em resposta ao desafio de Margarida Faria, da Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual e Igualdade de Género (AMPLOS). Falámos com uma destas mães: Maria Alice Vale de Almeida.
“Sou a mãe do Miguel Vale de Almeida. Sabe quem é?”, pergunta com olhar orgulhoso e sorriso feliz. Sabemos. É antropólogo, professor universitário e o primeiro deputado português assumidamente gay. Participou na XI Legislatura como independente pelo PS e deixou o cargo após ter sido legalizado o casamento entre pessoas do mesmo sexo. “Missão cumprida”, disse ele na altura (Dezembro de 2010).
Retirado do Público