A música soa alto, ritmada, imponente, e é o único som na cabeça de Pablo Veron. Enquanto dança, não há espaço para o "ruído" do pensamento - todos os sentidos estão absorvidos, abafados, ocupados. Talvez por isso Pablo Veron veja o tango como um "meio de expansão da consciência" e uma "forma de superação" - as melhores (e únicas) definições que é capaz de encontrar. "É que o tango pode ser tudo e ao mesmo tempo não há nada que o defina", contou ao P2 o argentino, que esteve no Porto pela segunda vez.
A dança, a música, o espectáculo em geral, corre-lhe no sangue. Com cinco anos viu um musical na televisão e disse aos pais que queria ser músico. Aos sete começou a praticar dança clássica. Na família corria um "temperamento artístico" - a mãe adorava dança, o pai tinha sido actor - e por isso nunca lhe castraram sonhos. Com 14 anos já dava aulas de sapateado, com 15 partiu para Nova Iorque para estudar.
Viajava, trabalhava na televisão, fazia teatro. Mas não chegava. "Era apenas mais um bailarino", diz. O tango entrou-lhe na vida "por casualidade", na festa de aniversário dos seus 18 anos. Estava com dois amigos, embriagado, e um deles resolveu que deviam ir a uma milonga. "Eu nem sabia o que era", conta Pablo. Foi parar ao último andar de um edifício perto de casa, em La Plata, a poucos quilómetros de Buenos Aires: um sítio escuro, luz baixa, com muita gente e uma orquestra de nove ou dez músicos. "De repente, na escuridão, apareceu um homem vestido de branco, como um fantasma. Atravessou a pista e pegou numa mulher para dançar." Era tango, mas como ele nunca tinha visto: "Aquele homem estava a improvisar, era algo completamente diferente."
4 h dia x 3 vezes por semana
O tango ficou-lhe na cabeça: "A imagem, a elegância, a improvisação, o ambiente, a possibilidade de dançar com diferentes mulheres." Pablo percebeu que era aquilo: a dança que punha a Argentina em cima do palco. O problema dos outros estilos ("Sentia que era uma inferioridade cultural, porque queria entender algo que me era estranho") não se punha mais.
Estava "obcecado" - deixou de trabalhar, deixou tudo para dançar. Conheceu Miguel Balmaceda, aprendia quatro horas por dia, três vezes por semana, ao fim do dia ficava a ver as milongas. Conheceu Antonio Todaro, professor de grandes dançarinos de tango, que o aceitou como aluno. "Ensinei tango à minha mãe para poder praticar com ela em casa."
Passados oito meses foi aceite num filme para fazer o papel de professor de tango. "Só queria entender o tango", diz. Entra em filmes como Evita, Cabaret e Sweet Charity. Protagoniza (actor, bailarino, coreógrafo) o filme de Sally Potter, A Lição de Tango ("O filme mudou a forma como as pessoas vêem o tango").
Viveu em Paris (foi para lá na década de 90 e desenvolveu o seu estilo próprio) e nos EUA, mas regressou à Argentina. "Percebi que o que interessava mesmo era ficar perto da minha cultura." Chamam-lhe intérprete da transição entre o tango dito tradicional e o contemporâneo. Mas para ele o que importa é "o tango" (assim, sem segundo nome associado).
O fascínio, diz Pablo Veron, está na "troca de energias homem-mulher", o "intercâmbio representado pelo [símbolo] ying yang". "O melhor bailarino do mundo", diz o jornal francês Libération. O homem com "os pés de Deus", diz a revista Time Out na sua edição nova-iorquina. E Pablo Veron sorri: "É uma óptima apresentação comercial."
Via Público