A minha já vai bem mais longa, mas os meus quase dez anos de precariedade levaram-me igualmente a estrear nestas andanças das manifestações sem ser em trabalho. Tive o prazer de entrevistar os organizadores do "Protesto da Geração à Rasca " há um mês atrás, numa altura em que as incertezas eram mais do que as certezas. Mas não era preciso ser uma iluminada para perceber que aqueles jovens "Deolindos" - como tão depreciativamente um grande comentador da praça os apelidou - iam afinal ser as caras de um momento histórico em Portugal.
Um dia antes do protesto ouvi outro cronista dizer: "Os putos devem achar que a vida é fácil!". Pois é, meus senhores, os putos infelizmente sabem que a vida não é fácil. E foi por isso que, com sangue na guelra, levaram à rua não só uma geração mas sim todo um país à rasca. A verdade é que a precariedade toca a (quase) todos e só mesmo quem vive dentro de uma bolha é que não conhece alguém que esteja ou desempregado, ou a recibos verdes, ou a contratos temporários ou com ordenados que são tudo menos dignos. Por todos eles, que um dia poderemos ser nós, sair à rua fez todo o sentido.
Do alto da genuinidade dos seus dez anos, Francisco deu voz ao pensamento de milhares de pessoas: "Espero que o Sócrates veja na televisão esta quantidade de gente e o que estão a pedir!". Todos sabíamos que nada iria mudar imediatamente no dia a seguir. Mas quando todo um país sai à rua, este gigante reflexo de descontentamento deve, no mínimo, ser analisado.
Cansado, como tantos de nós ao fim de anos de vida precária, o pequeno manifestante pediu para se sentar e comer um pacote de castanhas assadas para enganar um estômago à rasca. O seu olhar percorria atentamente o mar de gente e deixou soltar um curto suspiro: "Espero que não sejam só berros que não dão em nada. Gostava de saber, se quando eu for adulto, valeu a pena cá ter vindo". Como eu gostava de te poder responder a isso, Francisco.
Eu lembro-me quando era puto e ouvia a TV chamar-me Geração Rasca…
Não sei se ficava ofendido ou orgulhoso, pelo menos a nossa geração tinha um nome, mesmo que fosse Rasca. Era o nosso estigma…
Hoje recebi um email interessante (algo raro), e, lembrei-me disso… acho que estou orgulhoso, porque fui e sou um Geração Rasca.
A SIC montou uma gigantesca campanha de promoção para a sua nova série/novela/monte de merda, que dá pelo nome de Rebelde Way.
Depois de anos a apanhar bonés, percebeu que a melhor maneira de combater a morangada da TVI era…imitar. É lógico. Era inevitável.
Depois de 20 minutos a ver a nova série (o que me provocou uma crise de cólicas da qual só um dia depois começo a recuperar) sinto-me preparado para uma análise.
Bora lá. A fórmula é a mesma nos dois canais. Aqui fica a receita:1 – Pitas boas. Muitas, quanto mais descascadas melhor (as séries de verão são, naturalmente, as melhores, porque eles vão todos juntos para a praia).
2 – Gajos “estilosos”. A coisa divide-se em dois: há aqueles que têm quase 30 anos mas fazem de adolescentes, e depois há os que são mesmo adolescentes. Estes últimos são aqueles que se levam a sério enquanto “actores”.
O requisito essencial para qualquer gajo que entre nestas séries é ter um penteado ridículo.3 – O Rebelde Way tem gajas do norte. Fazem de gajas daqui, mas aquele sotaque é fodido de perder. Fica ridículo, mas as gajas são boas.
4 – Nos Morangos, a palavra “pessoal” é dita 53 vezes por minuto, normalmente inserida nas frases “Eh pá, pessoal!”, no início de cada conversa, ou então “Bora lá, pessoal”, antes do início de qualquer actividade.
Agora vamos à bosta que a SIC acabou de parir, com pompa, circunstância, varejeiras e mau cheiro. Chama-se Rebelde Way. Cool, man! O slogan dos Morangos era “Geração Rebelde”, mas a inspiração deve ter vindo de outro lado, de certeza. O que me irrita na poia da SIC é que os gajos são todos betinhos (até os mânfios são todos giros e cool e com uma caracterização ridícula, como se fossem a um baile de máscaras vestidos de agarrados ou arrumadores de carros). Mas depois são bué rebeldes. São bué mauzões, man! A brincar com os seus iPhone, com as suas roupinhas fashion, grandes vidas, mas muita mauzões.
Se há algo que esta geração de morangada não pode ser, não tem direito a ser, é ser rebelde. Rebelde porquê, contra quê? Nunca houve em Portugal geração mais privilegiada do que a actual, à qual esses putos pertencem. Nunca qualquer puto teve tanta liberdade e tanta guita no bolso como esta malta. Nunca as pitas foram tão boas e tão disponíveis para foder com a turma inteira como agora. Nunca houve tamanha liberdade de mandar os pais à merda e exigir uma melhor mesada porque é altura dos saldos. Rebelde porquê? Em nome de quê?É claro que isto são pormenores com os quais as novelas não se deparam, nem têm de o fazer. O objectivo é simples: para uma geração tão privilegiada como aquela que é retratada, há que criar uma rebeldia fictícia, porque não é cool ser dondoca aos 16 anos. Mas é o que todos eles são.
Há uns tempos vi, no Largo do Carmo, um bando de uns 15 putos e pitas, vestidos à “dread” com roupinha acabada de comprar na “Pepe Jeans”.
Um dos putos que ia à frente, não devia ter mais de 16 anos, vem a falar à idiota como se fosse dono da rua, saca duma lata de tinta e escrevinha qualquer coisa de merda na parede. Todos se riram, todos adoraram, e ele foi, durante cinco minutos, o maior do bairro. Não fiz nada, mas devia ter-lhe partido a boca toda.
Todas as últimas gerações antes desta (incluindo a minha, a Geração Rasca, que se transformou na Geração Crise – bem nos foderam com esta merda) tiveram de furar, de lutar, de fazer algo. Havia uma alienação mais ou menos real, que depois se podia traduzir nalguma forma de rebeldia. Não era o 25 de Abril como os nossos pais. A nossa revolução é a dos recibos verdes e da consolidação orçamental. Mas esta morangada sente-se, devido à merda que a televisão lhes serve e aos paizinhos idiotas que (não) a educaram, que é dona do mundo. Quando já és dono do mundo, vais revoltar-te contra quem? E por que raio haverias de o fazer?!
E assim vamos nós. Com novelas de putos “rebeldes”, feitas por “actores” cujo momento de glória é entrar numa boys band ou aparecer de cú ao léu na capa da FHM, ensinando a todos os outros putos que temos que ter cuidado com as drogas (mas todos os agarrados são limpinhos, assépticos, com os mesmos penteados ridículos), que a gravidez adolescente é má (mas todas as pitas querem foder à grande, porque são donas da sua própria vida e os pais não sabem nada, etc) e que, sobretudo, este mundo lhes deve alguma coisa.
Os tomates.A mim e aos meus, o mundo deve alguma coisa. Aos que foram atrás da merda do canudo para trabalhar num call center, aos que se matam a trabalhar e são forçados a ser adultos antes do tempo. Não a esta cambada de mentecaptos.
E depois estas séries vão retratando “problemas sociais da juventude”, afagando a consciência de quem “escreve” aquela merda, enquanto ao mesmo tempo incentivam esta visão egocêntrica, egoísta e vácua desta geração acabadinha de sair do forno.
Talvez eu esteja a ficar velho e a soar como o meu pai. Lamento se não é cool. Mas esta merda enoja-me.»
Ser rebelde pó caralhete.
Retirado de aqui