Se o amor fosse uma equação lógica, certamente o resultado de uma longa amizade seria um casamento feliz.
Isso porque é mais fácil se interessar por aquele com quem se mantém interesses comuns e se partilha uma intimidade desmedida, certo? Conviver por muito tempo com alguém que se gosta de verdade pode dar a deixa para um romance que, até então estava travestido de amizade. E pintar a vida com diversas cores.
Nem precisa ser especialista no assunto para dizer que grandes amizades são uma espécie de amor camuflado, em intensidade diferenciada. Os dois sentimentos são acompanhados de intimidade, revelada por conta do conhecimento e da sensibilidade recíproca.
Mas há uma linhazinha que divide uma coisa da outra: as respostas corporais. "Em ambas as relações, quando sinceras, existe amor, interesse e intimidade. Porém, a necessidade corporal indica que o amor está começando a se manifestar. É um imenso desejo de estar junto, próximo, tocando e se encontrando com o objeto de amor", explica a psicóloga e psicoterapeuta Marie Bize.
Segundo ela, outros sinais são que a amizade suporta a distância e o amor padece quando longe. "Amor precisa de contato físico, de carinho e toques, de palavras doces e olhares atentos. Amor necessita de um estado de presença constante. Todas estas necessidades são corporais, são vivencias e costumam ser prazerosas", completa.
Marie acredita que não é o tempo que determina a intimidade de uma relação. "O ato de conhecer profundamente alguém é determinado pelo interesse sincero na outra pessoa", afirma. Isso significa que amizades se transformam em amor não por conta da duração, mas pelo interesse em conhecer e participar mais da vida e das histórias da pessoa amada. "Amizade não é um amor disfarçado - é um amor declarado, por vezes até de maneira incondicional. Diferentemente da amizade, no amor existe a cobrança e o desejo de exclusividade".
Mas para nós, mulheres, há sempre aquela dúvida se entre homens e mulheres pode existir uma amizade sincera. Marie explica sempre haverá uma tensão sexual envolvida, sejam eles amigos ou não. "Não há como negar o fato de existir uma química entre os dois sexos. É natural e saudável, indica até mesmo um nível de saúde e vitalidade energética", opina. E na amizade, isso não é diferente. "Essa tensão sexual é um dos ingredientes que tempera a amizade entre homens e mulheres. Dependerá de ambos saberem lidar com esta tensão e diferenciar as relações".
Quando a linha entre uma coisa e outra se confunde, é sinal de que um sentimento provavelmente se sobrepôs ao outro. Aí, a melhor coisa é tentar clarear a ideias - e os anseios. "No momento que existe amor numa relação de amizade é melhor que este seja qualificado e expressado. O sacrifício e a falta de comunicação distanciarão os amigos. Então, corra o risco de se abrir, de se expor e encarar este sentimento. A amizade se fortalece na verdade".
Mas e o medo de perder o amigo, caso o sentimento não seja correspondido? Anita, 28, já levou um fora de um dos melhores amigos. "Quando nos conhecemos, a gente se dava super bem e acabei confundindo as coisas. Quando tive coragem de falar com ele, não fui correspondida. Foi super chato", lembra.
A sugestão, nesse caso, é enfrentar a situação com dignidade. "O amor não correspondido não é um amor falido, somente um amor mal direcionado. Direcione sua energia para outro foco ou outra pessoa", sugere Marie. No caso de Anita, ela precisou apenas de tempo. "Algumas semanas depois ele me procurou e voltamos a ser amigos, agora mais que nunca!"
Márcia namorou, noivou e até morou junto com o melhor amigo. A separação foi inevitável, eles chegaram a ficar outras vezes, mas hoje a amizade reina absoluta. "São sete anos dividindo as experiências. Falamos sobre tudo, inclusive sobre nossos relacionamentos atuais. Apesar de não ter dado certo, a amizade continuou. Desde que se tenha respeito, isso é possível", acredita. O que se sabe é que no amor não há regras ou certezas. Ele pode nascer tanto de uma conversa de bar quanto de uma amizade (colorida) sincera.
"A experiência mostra que ele pode estar onde você menos espera. Um colega de trabalho, um amigo de escola, o vizinho, alguém que já é conhecido ou um completo desconhecido. Não há como saber. O que se sabe é que o amor depende de uma possibilidade de entrega e disposição para se expor e abrir. À medida que o coração se abre e confia, o amor pode penetrar no coração a qualquer instante", finaliza Marie. Melhor estar preparada.
Via Vila Dois
Ele era o melhor amigo dela. Saíam juntos, dividiam tudo.
Ele tinha saído de um noivado e, precisando do ombro da amiga, passou a freqüentar a casa dela com freqüência. No começo, nada de segundas intenções, garantem. Mas aí, ele comprou um apartamento pertinho da casa da moça e a receita estava pronta: Marisa, 25 anos, dormia na casa dele sempre.
“Nos primeiros dias, o Roberto colocava um colchão do lado da cama onde eu dormia. Depois já não se dava mais ao trabalho e dormíamos na mesma cama”, conta. Os amigos ficaram assim por oito longos meses até que venceram a resistência. “Ele ainda tentou questionar como seria depois, mas relutei com um ‘cala a boca e me beija’”, conta.
Marisa acha que as afinidades formaram o grande tempero da relação. A conquista diária aconteceu naturalmente. “Depois daquela manhã de domingo, a nossa amizade se fortaleceu mais ainda, e como já tínhamos uma confiança antes, está sendo maravilhoso”.
A psicóloga Laila Pincelli, da Clínica da Mulher, em São Paulo, explica que a história de Marisa é mais comum do que muita gente pensa. “As mulheres estão com medo de se relacionar com o desconhecido e preferem apostar nos amigos”. Culpa dos interesses comuns, claro.
Cristina é outra que tem histórico em pegar os amigos e transformar o que é fraterno em algo maispicante. Na faculdade, se envolveu com o cinegrafista do laboratório de telejornalismo. No primeiro emprego, foi a vez do diagramador. “Já me envolvi outras vezes com colegas de trabalho e é sempre bem legal”, diz. Isso porque, segundo ela, o fato de se conhecer melhor facilita a troca de carinho e intimidades. E o papo fica mais fácil. Mas ela tem o pé no chão. Quando passa do casual e rola paixão, Cristina sabe que o território fica minado. “Nem sempre uma das partes corresponde. Mas acho que com um bom jogo de cintura a gente releva”, opina.
A psicóloga Laila diz que os maiores problemas nessas relações com os amigos envolvem o sentimento torto de um dos lados - às vezes um se apaixona e o outro não. “Se forem maduros suficientes e souberem encarar com humor, podem resolver a situação. Se não, pode mesmo estragar a amizade”. Essa intenção maior de um dos lados passa a cobrar o que não deve e, aí, a relação vai por água abaixo.
Cristina, 30 anos, experiente em se envolver com amigos, diz que quando há cobrança, invariavelmente uma das partes se machuca. “Cria uma expectativa que não se concretiza, uma pessoa utópica. E quando a gente cai na real, o sonho se desmancha”.
Laila indica que a conversa é o melhor remédio para curar uma amizade enfeitiçada pela paixão. Esclarecer os sentimentos é a grande alternativa. “Mesmo com intenções diferentes, uma amizade sincera pode sobreviver”.
E você, já se envolveu como o seu amigo?
Via Vila dois