Mesmo que a perspectiva de chuva nos deixe o sobrolho um pouco mais franzido. Não há-de ser nada. Dissemos que sim, que íamos experimentar fazer duas caminhadas em dois dias nos Picos, depois de nos garantirem que a maior parte dos participantes já tinha passado os 50 e que as caminhadas eram fáceis apesar de a primeira ser bastante longa.
"Mas não tem grandes desníveis, é planinha", dissera o senhor Freitas. Acreditámos, calçámos as botas, metemos o impermeável na mochila, ao lado do chapéu e do protector solar, vestimos uma camisola polar por cima da t-shirt (porque, se não sabemos muito sobre os Picos da Europa sabemos, pelo menos, que o tempo lá em cima muda de forma brusca) e juntamo-nos ao grupo. Não há-de ser nada, suspiramos.
Poncebos Caín Poncebos | 24 km
A primeira parte do caminho não custa nada: é de camioneta. De Cangas de Onís até Poncebos, com uma breve paragem em Arenas de Cabrales, para algumas pessoas comprarem mantimentos para o dia, vamos confortavelmente sentados, a observar a paisagem pela janela. O caminho é uma amostra perfeita das Astúrias.
Verde e mais verde, a desenrolarse em prados molhados e nas encostas de montanhas enrugadas, encavalitadas umas sobre as outras. Pequenos povoados de casas de dois pisos e sardinheiras a enfeitar varandas e janelas. Rios baixos de seixos redondos e águas límpidas a cortar os campos.
Em Arenas de Cabrales ninguém arrisca abastecer-se do produto que tornou a localidade "mundialmente conhecida", conforme garante uma das brochuras distribuídas no posto de turismo local o queijo. Diz-se dele que é forte e muito, muito mal cheiroso. Para nós, a vila é usada pela sua outra característica mais famosa, a de ser "uma das principais entradas dos Picos da Europa, um dos parques nacionais mais visitados em Espanha", como elucida a mesma brochura.
Apesar de nos termos levantado às 7h30, só começamos a caminhar três horas depois e, por essa altura, já toda a gente está ansiosa por pôr os pés ao caminho.
A camioneta deixa-nos perto do início do trilho, e logo ali, refastelado na berma da estrada, junto a um sinal de perigo com a imagem de pedras a desprenderse da rocha (e que irá ser uma companhia constante ao longo de todo o trilho), está um rebeco, espécie de cabra montês, que é também o símbolo dos Picos da Europa. Deixa-se estar, impassível, enquanto passam por ele os primeiros grupos de caminheiros.
O mesmo faz outro membro da espécie, quando espreitamos o rio Cares, verde-azul-turquesa, a correr a umas dezenas de metros abaixo do nível da estrada. O rebeco olha-nos, patas assentes na encosta escarpada como se fosse uma planície, e não se mexe um milímetro.
Começamos a andar, cheios de energia, e vamos em frente, por onde o caminho é plano. Mas o senhor Freitas chama-nos, com um grito. "Ei, é por aqui. Temos de estar atentos aos sinais." Nós temos desculpa. Afinal, ele dissera que o caminho era longo mas planinho e o sítio por onde quer que nos embrenhemos é uma estrada estreita de pedra, que sobe numa inclinação um pouco aflitiva. E que tem na base uma grande placar a avisar "Atenção! Rota Perigosa. Desprendimentos e queda de pedras em todo o percurso, ao longo de barrancos sem protecção lateral. Proibido circular de bicicleta." Ora bem.
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É, acima de tudo, uma opção de vida, uma experiência pessoal que a Câmara Municipal de Aveiro quer ver adoptada por muitos cidadãos, ao abrigo de um projecto europeu que pretende incentivar as pessoas a andarem a pé em pequenas soluções no seu dia-a-dia. E o testemunho de Gracinda Martins não podia ser mais encorajador: "Faço exercício físico, respeito o meio ambiente, ao mesmo tempo que tenho a oportunidade de apreciar pormenores da cidade que não descobriria se andasse de carro."
Parece difícil de acreditar mas, mesmo repetindo o mesmo caminho há já 20 anos - do Bairro do Liceu até à universidade -, Gracinda consegue descobrir sempre coisas diferentes. "É fantástico. No Parque da Cidade por exemplo, adoro apreciar as diferenças de paisagem e cheiros que o espaço tem em cada uma das estações do ano". "Isto já para não falar das pessoas com quem me vou cruzando e a quem tenho a oportunidade de dizer bom dia ou boa tarde", acrescenta esta verdadeira aficionada da circulação pedonal.
Mais barato
Nos dias que correm, com a escalada do preço dos combustíveis, Maria Gracinda encontra outro motivo de peso para manter a sua opção pelas deslocações a pé. "É uma poupança considerável", atesta, ao mesmo tempo que reafirma que se trata de uma escolha que dá prazer e nem sequer obriga a grandes esforços. "Aveiro é plana. Até consigo fazer o meu trajecto diário de saltos altos, sem qualquer dificuldade", sublinha.
À ausência de grandes declives juntam-se outras características que tornam Aveiro uma cidade amiga das caminhadas. Começa desde logo por ter dimensões relativamente reduzidas. Em cerca 45 minutos, qualquer cidadão em condições normais consegue percorrer a pé a distância que liga dois pontos totalmente opostos da cidade. Exemplo? Fazer a ligação da zona das Glicínias até à entrada de Esgueira, ainda que pareça uma grande caminhada, não deverá levar muito mais do que 45 minutos. Ainda que a cidade seja atravessada pelos canais urbanos da ria, nos pontos mais estratégicos da zona urbana não faltam pontes para encurtar distâncias.
Via Público