O fim do colonialismo e a mudança na forma como os europeus olham África atirou “Tintin no Congo” para a má fama. A segunda aventura de banda desenhada do jornalista criado por Hergé é há muito acusada de promover estereótipos racistas. No caso, Mondondo diz-se indignado por os congoleses serem retratados como “estúpidos e sem qualidades”. O Conselho Representativo das Associações Negras, organismo francês comummente conhecido como Le Cran, está com ele.
A decisão de hoje acontece depois de o tribunal de primeira instância se ter declarado competente para julgar o caso, em resposta às dúvidas levantadas pelo ministério público belga, que tentou levá-lo para a justiça comercial. A queixa, essa, foi apresentada em Agosto de 2007, cerca de um mês depois de a Comissão pela Igualdade Racial da Grã-Bretanha ter oficialmente reconhecido o teor racista da obra.
“De qualquer ponto de vista que se observe, o conteúdo deste livro é flagrantemente racista”, deliberou a comissão, que exortou os donos das livrarias britânicas a repensar a visibilidade dada a “Tintin no Congo” – ou mesma a sua venda. A obra foi destruída pela comissão: “o único lugar onde pode ser aceitável ter o livro exposto é num museu, com uma enorme placa por cima a dizer 'coisas racistas e antiquadas'”.
“Todas as lojas devem ter muito cuidado ao decidir se vão vender ou exibir este livro. Ele contém imagens e palavras de um preconceito racial repugnante, em que os 'nativos selvagens' parecem macacos e falam como imbecis”, acrescentaram os responsáveis da comissão, no comunicado então emitido, em resposta a uma queixa de um advogado especializado em direitos humanos – David Enright.
O livro foi mudado das prateleiras de literatura infanto-juvenil para as de banda-desenhada para adultos. Esse é o mínimo que pede agora Bienvenu Mbutu Mondondo, admitindo alternativas à saída do volume das bancas. A aplicação de uma cinta em cada exemplar a alertar para o conteúdo racista é uma delas. Outra é um prefácio que explique o contexto histórico em que a obra surgiu.
Hergé escreveu e desenhou “Tintin no Congo” quando tinha 23 anos e defendeu até à sua morte, em 1983, que a obra reflectia a visão inocente e ingénua que caracterizava o pensamento da época. No entanto, o Congo, que se manteve uma colónia belga até 1960 – quando passou a República Democrática do Congo e, entre 1971 e 1997, a Zaire –, tem uma das histórias mais violentas da presença europeia em África, denunciada no início do século XX e recuperada para a literatura por Joseph Conrad, em “O Coração das Trevas”.
As acusações de racismo surgiram ao longo das últimas décadas e começaram agora a ter repercussões. Além da decisão britânica e do processo judicial belga – que senta no banco dos réus a sociedade Moulinsart, detentora dos direitos, e as edições Casterman –, há ainda a assinalar uma medida avulsa nos Estados Unidos. A biblioteca pública de Brooklyn, em Nova Iorque, passou o livro para uma colecção de literatura para crianças que só pode ser consultada mediante marcação.
Via Público