
De acordo com uma nova avaliação da evolução das temperaturas da Terra, o ano de 2010 passa a ser o mais quente desde 1850, em vez de 1998. Esta actualização, feita pelo HadCRUT, um dos principais registos de temperatura global, do Reino Unido, contou com novos dados de temperatura do Árctico. Os resultados foram publicados na revista Journal of Geophysical Research e mostram que esta actualização não altera o aumento médio de temperaturas desde 1900, de 0,75 graus.
A ciência do clima e a teoria largamente defendida de que a Terra está a registar um aumento de temperatura que não se explica por oscilações naturais, mas sim pela mão humana, está também baseada no registo das temperaturas do ar nos continentes e dos oceanos, ao longo de mais de um século.
Os dados da HadCRUT incluem informação das temperaturas nos continentes compiladas pela Unidade de Investigação Climática (CRU, sigla em inglês) da Universidade de East Anglia, em Norfolk, no Reino Unido e os registos de temperaturas da superfície dos oceanos, compilados pelo Centro de Hadley do Instituto de Meteorologia do Reino Unido. “O novo estudo reúne as nossas bases de dados mais recentes e mais completas das observações da temperatura da terra e do mar, em conjunto com novos avanços na compreensão de como se faziam as medições no mar”, disse Colin Morice, cientistas do Instituto Meteorológico do Reino Unido, citado pela AP. O resumo do artigo está disponível online (em inglês): clique aqui.
A primeira rede de estações meteorológicas data de 1653, no Norte de Itália, mas só a meio do século XIX é que o número de estações e a sua distribuição passou a ser suficientemente generalizada para ter validade científica.
Desde essa altura que os métodos têm vindo a ser optimizados e normalizados. Os cientistas tiveram agora em conta, por exemplo, o enviesamento nos registos de temperatura da superfície do oceano, quando era medida em baldes com água tirada do mar, em que havia uma descida de temperatura em relação à do oceano.
No novo artigo foram incluídas as observações de 400 estações meteorológicas no Árctico, na Rússia e no Canadá. Uma das regiões mais afectadas pelo aumento de temperatura. “A HadCRUT é sustentada por observações e tornou-se claro que [o modelo] poderia não estar a captar na sua totalidade as mudanças no Árctico, devido a haver tão pouca informação nesta área”, disse Phil Jones, director do CRU e primeiro autor do artigo, citado pela BBC News. Os resultados também utilizaram registos novos vindo da África e da Austrália.
“A actualização resultou em algumas mudanças em anos individuais, mas não mudou o sinal geral do aquecimento de cerca de 0,75 graus desde 1900”, disse Morice.
Mas o ano mais quente de todos, 1998, caiu para terceiro lugar, segundo a nova actualização, sendo substituído por 2010 e o ano de 2005 ficou em segundo lugar. Os dez anos mais quentes ocorreram todos nos últimos 14 anos. Outra conclusão, é que o aumento de temperatura não é homogéneo. “O Hemisfério Norte e o Hemisfério Sul aqueceram em 1,12 graus e 0,84º ao longo do período entre 1901 e 2010”, lê-se no resumo do artigo. Só desde 2001, o Norte aqueceu 0,1 graus.
No início deste ano, a NASA divulgou um relatório que previa um maior aquecimento da Terra nos próximos anos. De acordo com este trabalho da agência espacial norte-americana, o ano de 2011 acabou por ser o nono mais quente desde 1880. No ano passado, as temperaturas médias à superfície foram 0,51ºC mais altas do que os valores médios do período base 1951-1980.
Via Público

Um modelo matemático desenvolvido por dois investigadores portugueses fornece pistas para obter a cooperação de todos contra o aquecimento global - e conseguir salvar o planeta.
A teoria dos jogos, como muitas outras áreas da matemática, utiliza por vezes expressões poéticas para nomear os objectos que estuda. Uma delas é a "tragédia dos comuns", que é como dizer o desastre final. Dá-se quando "num grupo de indivíduos que têm a possibilidade de contribuir - ou não - para o bem comum, ninguém contribui e acabam por perder todos", explica-nos Jorge Pacheco, matemático da Universidade do Minho. Com Francisco Santos, jovem físico da Universidade Nova de Lisboa, quiseram ver se seria possível evitar a "tragédia dos comuns" em matéria de alterações climáticas. Os seus resultados foram publicados online, ontem ao fim da tarde, na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.
"A cooperação tem um custo", explicou Jorge Pacheco numa conversa que o PÚBLICO teve com ambos os cientistas no Complexo Interdisciplinar da Universidade de Lisboa. Os impostos são um "exemplo flagrante" de tragédia dos comuns em potência: se ninguém quiser pagar o seu IRS, um país não pode funcionar.
A ideia de que as cimeiras do clima não servem para incitar os intervenientes a cooperar para salvar o planeta - e a nossa espécie - não é nova. "Copenhaga [em 2009] foi um fracasso", frisa Jorge Pacheco. O que é novo, dizem os cientistas, é que o seu modelo toma em conta, pela primeira vez nesta matéria, duas coisas: a evolução da atitude cooperativa das pessoas ao longo do tempo, em função do sucesso dos outros, e a percepção aguda do risco de haver uma catástrofe se nada for feito. (Matematicamente, esta percepção é definida como a probabilidade de que o planeta se salve sem ninguém fazer nada. Uma percepção elevada do risco é representada por um valor próximo de zero e uma fraca percepção por um valor próximo de 1).
"Modelizamos uma população em que todos participam no mesmo jogo e vamos vendo, ao longo do tempo, quantas pessoas que no início não queriam cooperar mudam de ideias." Na gíria, chama-se a isto teoria dos jogos evolutiva. O "jogo", neste caso, consiste em decidir assinar ou não um acordo em que cada um se compromete a travar o aquecimento global.
Redes de interesses
Num primeiro modelo, os cientistas consideraram um grupo único de cerca de 200 indivíduos, destinado a espelhar as cimeiras mundiais do clima, nas quais apenas participam representantes ao mais alto nível de cada país. O que acontece aqui é que, como o ganho é maior para quem não coopera (cooperar implica conversões tecnológicas e outros sacrifícios), cada indivíduo adopta uma posição egoísta - que conduz, inexoravelmente, à tragédia dos comuns. "Este resultado mantém-se mesmo quando a percepção do risco está lá", diz Jorge Pacheco. "As pessoas têm consciência de que vão morrer" e, no entanto, optam por não cooperar para o bem comum. "O nosso modelo mostra que as cimeiras do clima nunca vão resultar."
Num segundo modelo, distribuí-ram os indivíduos em grupos, ao acaso. E constataram que, quando a percepção do risco era elevada, a existência de grupos alterava radicalmente o desfecho. "A percepção do risco conduz a uma auto-organização espontânea da cooperação", salienta Francisco Santos. "Isso não é mágico", explica Jorge Pacheco. Quando a percepção do risco é forte, o custo de assinar, de cooperar, torna-se relativamente menor. E isso faz com que a maioria das pessoas acabe por cooperar, num processo de emulação, ao verem que os que cooperam têm, a prazo, um maior retorno. Mas a cooperação não é unânime: "Há sempre um conjunto de malandros", acrescenta Jorge Pacheco a rir. Mas o bem comum acaba por vencer o oportunismo de alguns "traidores".
"Uma caricatura"
Num terceiro modelo ainda, Jorge Pacheco e Francisco Santos criaram uma "rede social", um mecanismo de ligação preferencial, entre os diferentes grupos, "com um ingrediente muito particular, que era a presença de muitos grupos pequenos e de poucos grupos grandes". E desta vez constataram que, para uma mesma intensidade de percepção do risco, a cooperação surgia mais facilmente em presença de uma rede do que na sua ausência. "As redes de interesses - diz Francisco Santos - introduzem diversidade no jogo e abrem um novo caminho para a cooperação."
Os dois cientistas admitem que o seu modelo é um pouco uma "caricatura", uma vez que as decisões reais das pessoas reais no mundo real são muito mais complexas. Mas, mesmo assim, o seu trabalho fornece pistas que podem ajudar a determinar "a que nível devem ser discutidos os problemas climáticos", diz Francisco Santos.
"Para maximizar a cooperação - diz Jorge Pacheco -, os grupos têm de ser pequenos em relação ao tamanho da população global, a percepção do risco alta e o custo da cooperação razoável". Por isso, propõem que a discussão em matéria de alterações climáticas "seja feita ao nível regional" e não mundial. Mesmo o Norte e o Sul de um mesmo país podem ter interesses diferentes em termos energéticos, com uma região a querer privilegiar a energia eólica e a outra energia solar, por exemplo, em função dos seus recursos naturais. "À escala regional, é possível gerar uma diversidade natural" e fomentar, também, a cooperação com outras regiões que tenham os mesmos interesses através de redes de afinidades. Claro que o facto de haver alguns grupos grandes, muito influentes, também pode ser benéfico; os grandes grupos que conseguem cooperar para o bem comum desempenham um papel crucial. "Se Obama disser que temos de fazer qualquer coisa para salvar o planeta, isso vai gerar um efeito bola de neve."
Via Público