E outra que se pôs a editar discos. E ainda aquela que encontra, negoceia e reabilita casas à medida de cada cliente. Quem acredita que o empreendedorismo e a inovação se traduzem obrigatoriamente em gigabytes e equações inacessíveis escusa de ir bater ao Pólo das Indústrias Criativas da Universidade do Porto (Pinc). Nestes gabinetes de um edifício cor-de-rosa fervilham perto de 30 empresas. Num país vergastado pela crise, os que aqui trabalham atreveram-se a dar sequência prática a um qualquer momento eureka, do género "Mas como é que alguém não pensou nisto antes?". Eles pensaram. E, mais do que isso, fizeram.
O resto é suor e persistência. Nas carteiras de clientes de algumas destas empresas - veja-se a Claan, que funciona numa sala onde vários iMacs disputam espaço com uma bicicleta e um cão que se chama Vincent van Dog - pontuam gigantes como a Siemens.
Observa-se o entra-e-sai dos gabinetes e vêem-se rapazes e raparigas com T-shirt e sapatilhas. À maioria ninguém colaria o rótulo CEO. Mas é isso que eles são. "As ideias que nos chegam são todas potencialmente disparatadas. E, por vezes, acontece que as mais disparatadas são as que têm mais sucesso", introduz Fátima São Simão, responsável pelo Pinc. Criado em 2010, é um dos quatro pólos do Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto (UPTEC), o qual soma 112 empresas.
No processo de selecção das empresas, a universidade privilegia as propostas por ex-alunos "ou que ambicionem ligar-se à universidade". Antes de terem direito a gabinete, os potenciais empresários passam por um período de incubação. Têm telefones, Internet, uma sala de co-work, outra de reuniões e um auditório. A maioria das que falham é nesta fase. Ultrapassada essa etapa, as empresas ganham direito a gabinete próprio. "Não somos uma agência imobiliária, o que cobramos é um valor simbólico de oito euros por metro quadrado mais dois euros para condomínio - limpeza, água, luz, serviço de vigilância 24 horas por dia."
Têm telefone à disposição, mas pagam as chamadas. Além disso, o Pinc tem "um programa de apoio ao empreendedorismo com a Escola de Gestão do Porto que garante formação em sala sobre princípios básicos de gestão". Os que precisarem podem candidatar-se a um serviço de consultoria que os ajude a vencer questões burocráticas e a focar-se no negócio. Ao fim do primeiro ano, a valor da renda sofre um aumento de 15%. Ao fim do segundo, passa para 20%. "A ideia é que as empresas se emancipem."
Não é bem o caso da CulturePrint, mas anda lá perto. É uma cooperativa sem fins lucrativos, nasceu em Maio de 2011 pela mão de três mulheres, a Catarina, a Isabel e a Minês. Uma era livreira, outra vinha das Belas-Artes e a terceira, a Minês, tinha-se licenciado em comunicação. Juntaram-se para "comunicar cultura". Hoje, fazem assessoria de comunicação, editam, produzem eventos e escrevem. Muito. "O serviço de ghostwriting tem muita procura, para livros mas também para discursos e até para blogues de pessoas que têm coisas para dizer mas não sabem como", conta Minês Castanheira.
Aposta de futuro
Nenhuma delas vive da cooperativa. "Tirar daqui um salário ainda não é possível, até porque somos três, o que não quer dizer que o futuro não passe por aí", diz Minês, para elencar mais vantagens na ligação à universidade: "É uma marca forte, temos acesso a formação e fica muito mais fácil trabalhar em parceria com outras empresas." Um exemplo? A próxima iniciativa d"O Bairro dos Livros, um projecto "geográfico-sentimental" de livreiros do Porto a que a CulturePrint ajuda a dar forma nos segundos sábados de cada mês, vai fazer-se em parceria com o Cineclube do Porto e com a SW.ark, outra empresa "incubada" deste pólo criativo.
Expliquemo-nos. O que a SW.ark faz, nalguns gabinetes ao lado, é househunting, entre outras coisas. "Procuramos casas na Baixa para reabilitar à medida de cada cliente, projectamos e reabilitamos o espaço", explica Sara Natária, da SW.ark. "Encontramos a casa, avaliamo-la, negociamo-la com o proprietário, tratamos das burocracias todas, fazemos o projecto, reabilitamo-la, e, se o cliente quiser, até lhe enchemos o frigorífico", precisa Paulo Santos Cunha.
Ela, 32 anos, é arquitecta e, depois de ter lidado com as complicações subjacentes à compra de uma casa na Baixa, regressou da Noruega decidida a lançar-se na criação da sua própria empresa. Paulo, com mais vinte anos em cima, trabalhou a maior parte da sua vida entre a gestão de redes comerciais e a banca de investimento. Estava a lançar-se na criação da sua própria imobiliária quando se conheceram por acaso na rua. Poucos meses depois, em Abril de 2010, começava a pré-incubação da SW.ark. A empresa foi formalizada em Setembro seguinte. "No final do primeiro ano", recua Paulo Cunha, "tivemos o retorno de todo o capital investido".
Ao fim deste corredor em que se encontram, deixando para trás a porta envidraçada da SW.ark onde se cita Pessoa - "... de que a vida é a maior empresa do mundo" -, chega-se à Claan. A melhor maneira de perceber o que aqui se faz será ir ao site da Siemens e folhear a revista hi!tech. A sensação anda muito perto da que se tem quando se segura a revista nas mãos. Viram-se as páginas e o que se ouve é o tradicional restolhar do papel.
A revista está lá, disponível em 11 línguas, graças ao Leafer, uma plataforma que permite converter o tradicional PDF em algo muito mais interactivo, com som e imagem, totalmente made in Claan. Totalmente made by Clara Vieira e Andreas Eberharter. Ela é portuguesa, tem 31 anos; ele, austríaco, 32. Conheceram-se em 2004 em Roterdão, quando ambos frequentavam o Erasmus, e dali migraram para Viena e dali para o Porto, onde decidiram criar a Claan.
O Leafer, explica Andreas, permite à Siemens "um feedback imediato sobre quanto tempo as pessoas ficam em determinada página, quais os assuntos mais lidos e a que horas...". Mas a Claan não é uma empresa de software informático. "É um estúdio criativo que trabalha a imagem digital das empresas", resume Clara. Na prática, criam conceitos e identidades visuais, principalmente digitais, dos clientes. Os catálogos digitais da farmacêutica Merck são deles.
A Claan nasceu num escritório da Rua de Ceuta. A mudança para o pólo criativo da UPTEC foi importante porquê? "A certa altura demos conta de que já não estávamos a fazer aquilo de que gostávamos. A mudança para o pólo permitiu-nos receber formação e pôs-nos em contacto com outras empresas às quais prestamos serviços." O ambiente de trabalho é informal, permite levar o cão para o trabalho, e a liberdade de estabelecer o próprio horário. Em teoria. "Na prática, trabalhamos durante o dia, à noite e ao fim-de-semana", diz Clara. "Quando se tem um emprego normal, sai-se e desliga-se. Aqui é do nosso filho que estamos a falar."
Retirado do Público