Lisboa tem uma nova atracção turística. Graffitado há poucos dias numa empena nas traseiras da Avenida da Liberdade, o gigantesco cavalo não passa despercebido a ninguém - e poucos são os visitantes da cidade que resistem à tentação de o captar com um disparo da máquina fotográfica.
Obra de um homem só, o graffiter espanhol Aryz, o desenho não custou um tostão à cidade. Uma loja e galeria do Bairro Alto ligada a este tipo de arte urbana, a Montana, convidou o artista de 23 anos, e quatro dias depois o cavalo de sete andares de altura coloria o desengraçado prédio branco e cinzento junto ao Teatro Tivoli. "É com orgulho que passamos a ter uma peça de Aryz na cidade", diz Sílvia Câmara, da Galeria de Arte Urbana da autarquia de Lisboa, departamento que se encarregou de encontrar uma fachada suficientemente grande e cujo proprietário estivesse disposto a acolher o trabalho. Sílvia Câmara recorda que os desmesurados trabalhos de Aryz estão espalhados por várias cidades europeias. Só em 2011 o artista pintou na Polónia, em Itália, na Finlândia e ainda na Catalunha, onde mora.
"Fez tudo sozinho, sem ajuda de ninguém", descreve, impressionado, o guarda do estacionamento improvisado que fica ao lado da agora célebre empena. "Chegava às 8h e ficava até ser noite, às vezes até às 22h." E nem os cozidos à portuguesa e outros pratos típicos que foi comendo numa das tasquinhas defronte lhe tolheram os gestos. O pior é mesmo quando lhe perguntam que significado dá ao cavalo, mais ao esqueleto e aos peixes cabeçudos que compõem o desenho. "Quando lhe perguntei, disse que era o imaginário dele. Mais nada", conta a proprietária da tasca. Contactado pelo PÚBLICO através do proprietário da Galeria Montana, Miguel Santos, também desta vez Aryz se mostrou pouco dado a interpretar o seu trabalho: "Ele diz que não há nenhum conceito por trás do desenho. Que gosta destes jogos com cores e animais."
"Obra de mestre"
Um comunicado da Galeria de Arte Urbana dá algumas pistas na descrição de uma obra que lembra, nalguns aspectos, as obras surrealistas de Dali: "Respeitando os vestígios ainda patentes de um edifício contíguo, anteriormente demolido, o autor traçou directamente sobre o reboco cru de toda a empena uma espiral enleada entre o corpo e o esqueleto de dois cavalos, pontuada por certos apontamentos "burgueses" que introduzem um afável humor nas suas obras, como um laço e um chapéu mínimos ou até pequenos peixes que parecem nadar sorridentes em redor das figuras centrais."
São de agrado a maioria das reacções dos transeuntes. "Pelo menos a empena está mais alegre", observa uma moradora, de 75 anos. "É uma obra de mestre", elogia o sócio do restaurante em frente ao prédio. Vizinho do megacavalo, o arquitecto paisagista Ribeiro Telles lamenta que a empena não tivesse sido limpa. "Tem um aspecto de degradação muito feio que o graffiti não resolveu", declara.
Ainda que sem custos envolvidos, o patrocínio pela autarquia de uma forma de arte pouco consensual como é o graffiti suscita críticas. "Qual passa a ser a credibilidade do presidente da câmara, quando multa um miúdo de Chelas que pintou a parede do metro?", questiona o director-geral de uma farmacêutica, Samuel Maurício, de 42 anos. "A cidade devia opor-se a tudo quanto é graffiti", opina. O pior, nota Ana Alves de Sousa, do movimento cívico Forum Cidadania, é nada na zona envolvente ter sido arranjado: "O ecoponto em frente está um nojo, com o lixo todo cá fora; os passeios estão completamente destruídos e o estacionamento no terreno ao lado está todo entrapado à volta, como se fosse clandestino..."
Via Público