Nada na mão, nada na manga. O futuro de Portugal neste Campeonato da Europa é uma espécie de truque de magia virado de pernas para o ar, em que o ilusionista não tem os acontecimentos sob controlo. O Grupo B do torneio fecha hoje as portas com quase todos os cenários em aberto, o que significa que a selecção nacional terá de ter os pés assentes no relvado do Estádio do Metalist, em Kharkiv, e os ouvidos no desenrolar do Alemanha-Dinamarca, em Lviv. Da fusão entre as duas realidades, sairá o premiado com uma vaga nos quartos-de-final, em Varsóvia.
Quem diria que, nesta altura do campeonato, mesmo uma vitória pode não ser suficiente (ver cenários na página 10) para manter Portugal à tona? Ou melhor, quem diria que a Holanda chegaria ao último jogo da fase de grupos sem saber o que é pontuar? “Nunca pensámos neste cenário. Temos de esperar para ver o que acontece nos outros jogos. Teremos de ver o que acontece”, repete-se Mark Van Bommel, à procura da 80.ª internacionalização no encontro desta noite (19h45, TVI).
É muito provável que o médio do AC Milan venha a ter de adiar esse objectivo. A Holanda precisa de golos como de pão para a boca (uma diferença mínima de dois é o que se exige) e o onze que Bert van Marwijk fará alinhar deverá reflectir um maior pendor ofensivo. De resto, o seleccionador já admitiu que terá de fazer alterações, a principal das quais deverá contemplar dois avançados. Até agora a equipa tem jogado apenas com Robin van Persie na frente, mas tudo indica que Huntelaar lhe fará companhia desta vez, muito provavelmente com o apoio de Rafael van der Vaart nas costas.
Uma dor de cabeça adicional para Bruno Alves e o seu batalhão? “Estamos prevenidos para tudo, bem treinados e agora a pensar em chegar ao jogo e dar o nosso melhor para vencer. Sabemos da qualidade da equipa adversária e temo-nos preparado para jogar contra eles”, garantiu ontem o mais internacional dos defesas portugueses (52 jogos) neste Europeu.
E se há um aspecto em particular para o qual o jogador do Zenit S. Petersburgo deve canalizar as atenções é o jogo aéreo. Não só porque Huntelaar, especialmente ele, é perigoso nos lances pelo ar, mas sobretudo porque os três golos sofridos por Portugal no torneio surgiram a partir de golpes de cabeça.
Para Paulo Bento, porém, essa é apenas uma das variantes a ter em conta. “Num grupo tão equilibrado como o nosso, dificilmente se domina um jogo durante 90 minutos. As equipas que gerirem melhor os quatro momentos do jogo são as que têm mais hipóteses de ganhar”, sublinhou o seleccionador, devidamente preparado para as eventuais mudanças no onze do adversário. “Não acredito que a Holanda mude muito o sistema táctico. Pode fazer alterações nas laterais, tirar um dos médios defensivos para poder incluir Van der Vaart. Em função do que apresentarem, teremos as nossas armas”, vincou.
Uma delas é Pepe, num grande momento de forma e com profundo conhecimento de causa do ataque holandês, ou não tivesse o defesa central sido companheiro de equipa de Sneijder, Huntelaar, Robben e Van der Vaart no Real Madrid. Junto, este quarteto soma 90 golos pela Holanda, um valor que dispara para os 119 se incluirmos Van Persie.
“Acredito no desportista”
Infelizmente para Paulo Bento, a Holanda é a única variável que pode controlar no dia em que se decide quem segue em frente no torneio. E o técnico recusa-se a acreditar em facilitismos ou resultados combinados no Alemanha-Dinamarca. “Joguei 15 anos de futebol, estou a treinar há cerca de oito anos e a primeira coisa em que acredito sempre é no desportista. Quando deixar de acreditar nisso, deixo de andar aqui”, atirou, lembrando que à selecção cumpre vencer a Holanda e nada mais. “Nós não podemos jogar dois jogos.”
Uma coisa é certa: o resultado de um dos jogos influenciará o desfecho do outro. Até que ponto os jogadores e a equipa técnica conseguem passar ao lado da questão? Bento garante que pensará apenas em somar mais três pontos, mas deixa uma pista: “Se acharmos que essa informação é pertinente para aquilo que se está a passar no nosso jogo, faremos o que for essencial para os jogadores.”
Do lado contrário, Bert van Marwijk, particularmente contido numa conferência de imprensa relâmpago, também se mostrou pragmático ao olhar para o quadro de possibilidades que tem por diante. “Vamos fazer o nosso jogo. Sabemos qual é o nosso objectivo — vencer por dois e depois esperar que a Alemanha ganhe”, assinalou, pedindo “muita disciplina” aos jogadores.Se o ataque holandês regressar ao ritmo endiabrado da fase de qualificação, multiplicará as hipóteses de atingir o objectivo. Durante o apuramento para o Euro 2012, a selecção laranja foi a que mais golos marcou, num total de 37 em dez jogos. Claro que para este somatório muito contribuiu São Marino, um adversário que tem muita prática em ir buscar a bola ao fundo da sua baliza. Frente à Holanda, perdeu por 11-0 e sofreu quatro golos de Van Persie.
Mas essas são contas de outro rosário e a (dupla) entrada em falso na prova está aí para o provar. Nunca os holandeses tinham perdido dois jogos na fase de grupos de um Campeonato da Europa e, por isso, atravessam dias amargos, como reconhece Van Bommel: “O ambiente, depois de duas derrotas, não é o mesmo que se vive depois de duas vitórias.”
“Razões para acreditar”
Saiam em que condição saírem do Estádio do Metalist no final da noite de hoje, há algo que Paulo Bento espera que os jogadores levem na bagagem: a sensação de dever cumprido. Ou, nas palavras do seleccionador, que a equipa saiba “desfrutar de uma prova destas”.
“Esgotaremos todas as possibilidades até ao último minuto. Se isso [a qualificação para os quartos-de-final] não acontecer, será por mérito dos adversários e não por deixarmos de lutar ou de acreditar”, insiste o treinador, que, no pior dos cenários, completará em Kharkiv a sua primeira aventura aos comandos de uma selecção numa grande competição. Uma aventura que acredita que terá, pelo menos, mais um capítulo: “Nos momentos adversos, já demos razões suficientes para continuarem a acreditar em nós.”
Noticia do Público
Na passada quinta-feira, o seleccionador da Dinamarca, Morten Olsen, enumerou um conjunto de circunstâncias que poderiam valer uma vitória frente à Holanda: “um bocado de sorte”, “uma decisão favorável do árbitro”, “uma lesão” ou “um remate ao poste”. Não anteciparia, contudo, a conjugação de todos estes factores. Bafejados pela felicidade, mas também com muito mérito próprio, os nórdicos protagonizaram a primeira grande surpresa deste Europeu e bateram uma “laranja” recheada de estrelas, mas com pouca alma.
A Dinamarca demonstrou que não poderá mais ser considerada o elo mais fraco deste Grupo B. Frente aos vice-campeões mundiais e um dos principais favoritos à vitória no torneio da Polónia e Ucrânia, a equipa de Olsen manteve a sua identidade e derrotou a Holanda, por 1-0. A equipa mais concretizadora da qualificação para o Euro 2012, com 37 golos (média de 3,7 por partida), ficou em branco, o que já não acontecia desde a final do Mundial, a 11 de Julho de 2010, em que perdeu com a Espanha, após prolongamento, por este mesmo resultado.
É verdade que a Holanda não teve sorte. Não teve decisões favoráveis do árbitro em lances polémicos, não sendo penalizadas duas mãos na bola (discutíveis, de resto) na área dinamarquesa. Teve lesões na defesa e foi obrigada a apresentar uma linha de recurso, com a chamada do mais novo jogador de sempre num Europeu, Jetro Willems, de 18 anos e 71 dias. E teve uma bola de Robben ao poste, no único verdadeiro brinde concedido pelo guarda-redes dinamarquês Stephan Andersen, que rendeu o lesionado Sorensen.
Mas os holandeses só devem queixar-se de si próprios e da pálida imagem que deram como equipa, ou melhor, aos dois blocos divorciados que desligaram o seu jogo: à frente do guarda-redes, seis jogadores separados por vários metros das suas quatro unidades ofensivas. Nesta zona do terreno não faltava qualidade (o problema parece mesmo ser o excesso e a escolha), mas sim solidariedade.
Apesar de tudo, não faltaram oportunidades para a selecção de Van Marwijk chegar ao golo. Robben protagonizou o primeiro desperdício flagrante, mas Afellay, Van Persie e Huntelaar (que entrou aos 70’, numa altura em que a “laranja” já não disfarçava algum pânico) imitaram o atacante do Bayern Munique.
A perder por 1-0, desde os 24’, quando os nórdicos demonstraram como pode ser permeável a defesa adversária (subida de um lateral, uma movimentação interior de um extremo, dois defesas batidos e o golo de Krohn-Dehli), o mais inconformado holandês dentro de campo foi Sneijder, especialmente no segundo tempo, com cruzamentos milimétricos para os seus companheiros. Nenhum foi aproveitado.
Ficha de jogo
Estádio do Metalist, em Kharkiv, na Ucrânia
Assistência 35 mil espectadores
Holanda – Dinamarca, 0-1
Ao intervalo: 0-1
Marcador: 0-1, Krohn-Dehli, 24 minutos
Holanda Maarten Stekelenburg, Gregory van der Wiel (Dirk Kuyt, 85'), John Heitinga, Ron Vlaar, Jetro Willems, Mark van Bommel, Nigel de Jong (Rafael van der Vaart, 71'), Ibrahim Afellay (Huntelaar, 71'), Arjen Robben, Wesley Sneijder e Robin van Persie
Dinamarca Stephan Andersen, Lars Jacobsen, Daniel Agger, Simon Poulsen, Simon Kjaer, William Kvist, Niki Zimling, Krohn-Dehli, Dennis Rommedahl (Tobias Mikkelsen, 84'), Christian Eriksen (Lasse Schone, 74') e Nicklas Bendtner
Árbitro Damir Skomina (Eslovénia)
Acção disciplinar: cartão amarelo para Mark van Bommel (67'), Simon Poulsen (78') e William Kvist (81')
Noticia do Público