Em três dias o vídeo do grupo de activistas norte-americanos Invisible Children que faz campanha pela captura do senhor da guerra ugandês Joseph Kony tornou-se num fenómeno: mais de 52 milhões de visionamentos no YouTube relançaram o debate sobre as crianças soldados no Uganda, atraindo uma vaga de defensores e críticos do estilo "hollywoodesco" da campanha, que é já um dos maiores exemplos da força dos media sociais. Nas primeiras 24 horas, o vídeo teve 10 milhões de visaulizações.
O vídeo, com 28 minutos, apela à mobilização mundial para deter ainda este ano Kony e o seu Exército de Libertação do Senhor (LRA), narrando os efeitos dos 25 anos em que este senhor da guerra alimentou um brutal conflito no Norte do Uganda, raptando umas estimadas 60 mil crianças: os rapazes transformados em soldados, as raparigas em escravas sexuais, executados uns e outros quando não obedeciam, muitos mutilados, com os lábios cortados.
Entre essas crianças está Jacob Acaye, hoje com 21 anos, figura central do filme da Invisible Children, o qual conta a sua experiência sob o jugo de Kony e a morte do irmão, em 2002, por entre imagens da amizade travada com os fundadores do grupo de activistas. Acaye fez uma defesa acérrima da campanha, mantendo que - ao contrário das críticas de que o filme foi alvo nos últimos dois dias - "não é tarde de mais" para parar Kony.
Os Estados Unidos classificaram o LRA como grupo terrorista no pós-11 de Setembro e em 2008 começaram a apoiar o Exército do Uganda com conselheiros militares para capturar Kony, o qual se crê estar escondido nas zonas de mato da República Democrática do Congo, Sudão do Sul ou República Centro Africana. Em Outubro passado, o Presidente norte-americano, Barack Obama, deu luz verde ao envio de 100 tropas de combate para trabalharem directamente com os líderes militares regionais das zonas fronteiriças do Uganda.
Em defesa da campanha da Invisible Children - formado sobretudo por profissionais de media e não peritos em desenvolvimento -, o procurador-geral do TPI, onde Kony é acusado de crimes contra a humanidade desde 2005, elogiou ontem a "mobilização mundial" conseguida pelo vídeo. "São só uns miúdos da Califórnia que podiam estar a surfar ou qualquer outra coisa, mas escolheram fazer isto. Estão a dar voz a pessoas que ninguém sabia que existiam e por quem ninguém se preocupava. E por isso saúdo-os".
Mas muitos crêem que o Kony 2012 erra o alvo. A revista Foreign Affairs, por exemplo, não se deixou convencer pelo estilo "paternalista" do vídeo e acusa a organização de "manipular os factos". A influente jornalista ugandesa Rosebell Kagumire sublinhou, por seu lado, na sua conta de Twitter, na quinta-feira, que "a guerra é muito mais complexa do que um homem chamado Joseph Kony".
Uma das mais fortes críticas apontadas ao grupo é o facto de apelar à opinião pública para fazer pressão sobre as autoridades norte-americanas para continuarem a cooperar com o Exército do Uganda, que hoje é acusado de cometer abusos dos direitos humanos - tortura e detenções arbitrárias, a par da morte de manifestantes pacíficos nos últimos três anos, estão documentadas pela Human Rights Watch.
O director da Action Aid no Uganda, Arthur Larok, com nove anos de experiência a liderar programas do Fórum Nacional de ONG naquele país, considera que a estratégia de internacionalização da campanha Kony 2012 "teria sido muito eficiente há uns seis ou dez anos", mas neste momento "não será mais do que um apelo que faz sentido na América, da forma como a Internet funciona, mas não para o Uganda", onde se colocam desafios muito maiores do que a captura do líder do LRA.
"Anos depois de Kony ter saído do Uganda, acho que [a Invisible Children] está a apelar a emoções que não são já muito eficazes. As circunstâncias no Norte do país mudaram: não há guerra e o Governo e muitas organizações não governamentais estão a reconstruir e a melhorar a vida das crianças, na educação, na saúde, no saneamento básico, nas condições essenciais de vida. Uma campanha internacional que não ponha o enfoque nestes objectivos não é útil nesta altura", avalia.Peter Bradshaw, crítico de cinema do diário Guardian, defende porém que Kony 2012 "é simplesmente brilhante como peça de activismo digital", e cuja popularidade-relâmpago testemunha como "já alcançou um dos seus objectivos, o de pôr nas bocas do mundo os crimes horríveis cometidos por Kony".
Via Público