Ao contrário do que se possa pensar ao ouvir o debate público, o património já é tributado em Portugal através de impostos como o IMI. E a legislação fiscal permite que manifestações de fortuna como barcos de recreio, aeronaves de turismo, automóveis ou casas acima de determinado valos façam com que suba a factura em sede de IRS.
A última auditoria interna das Finanças ao controlo de manifestações de fortuna, em 2009, foi desanimadora. A administração fiscal encontrou «constrangimentos» persistentes à actividade inspectiva. Com «falta de informação» e de sistemas informáticos adequados, os serviços tributários debatem-se com «diversas dúvidas» sobre os pressupostos e a forma de fazer avaliar o património, refere a auditoria. Boa parte das tentativas de correcção das declarações de impostos na sequência destas inspecções cai em saco roto. Os contribuintes vidados põem recursos a correr em tribunal e, em 62% dos casos, a decisão dos juíses é total ou parcialmente favorável aos queixosos. As avaliações de riqueza do Estado não são consideradas sólidas o suficiente para fazer com que os contribuintes paguem mais impostos.
Dificuldade de avaliação
Nas acções das Finanças, bens como obras de arte, jóias ou peças em ouro são algumas dores de cabeça. A inexistência de registos centralizados sobre este tipo de artigos e a necessidade de contratar avaliadores externos dificultam a determinação dos impostos a pagar. Nos próprios leilões de arte, não são divulgados os compradores, lembra Nuno Barroso. «Podemos estar em frente a uma casa de dois milhões de euros e não fazer ideia do que está lá dentro», diz. Mesmo na determinação do valor das casas há dificuldades, já que as avaliações feitas pelas Finanças só são actualizadas quando há uma transacção. E pôr um imóvel em nome de uma empresa é possível, tal como é possível transferir essa empresa para uma sede fiscal fora do país.
Não é por acaso que apenas qutro países do Mundo têm um imposto sobre fortunas, segundo um levantamento feito pelo grupo de peritos que, em 2009, entregou ao Governo um extenso estudo sobre possíveis reformas da política fiscal.
O caso mais conhecido é o de França: ao património líquido superior a 790 mil euros é aplicado um «imposto de solidariedade». Mas o grupo de fiscalistas sublinha que o exemplo francês «não tem tido aceitação an generalidade dos países» e é desaconselhado para Portugal, já que a «tributação especial de grandes fortunas teria um efeito imediato de fuga de capitais e bens móveis». Em suma, «o país perderia atractividade e competitividade, ou seja, empobreceria ainda mais». São também apontadas todas as dificuldades de operacionalização. «No que se refere a fortunas em dinheiro vivo, obras de arte, jóias ou outros bens móveis, cuja posse em geral não é objecto de registo, será sempre muito difícil a sua identificação, quanto mais a sua valorização».
Nada vem por estes dias mais a propósito do que meter uma rolha no senhor Américo Amorim, e não digo isto por se tratar do "rei da cortiça" mas por este se ter auto-intitulado "simples trabalhador" quando confrontado com a hipótese da adopção de um imposto sobre as grandes fortunas, a exemplo do que se está a passar em França e na onda dos conselhos sábios de Warren Buffet, outro pobrezinho que vive do rendimento mínimo, como se sabe. Apesar de uma fortuna estimada em 2,6 mil milhões de euros, dinheiro mais do que suficiente para comprar alguns países e regiões do mundo, o senhor Amorim teve a distinta lata de, num desprendimento total dos bens materiais e terrenos, qual Jesus Christ da secção de enchidos do Jumbo, se dar como simples trabalhador: "não me considero rico" - disse. Devia ter acrescentado um: "sou da prol pá!" Coitadinho, parece que o estou a ver: sachola às costas e marmita na sacola com rancho e arroz branco, meia garrafinha de tinto e lá vai o Américo montado na Famel pronto a dar o litro durante 12 horas na herdade, debaixo de sol e chuva.
Américo Amorim tem tanto de simples trabalhador como Michael Jackson tinha de caucasiano. Mas se o segundo conseguiu disfarçar com pó de arroz na tromba e operações como quem mastiga Trident das azuis e acabou teso como um carapau, o primeiro por muito que queira dar um de humilde não conseguia iludir a madre Teresa de Calcutá, mesmo que a senhora não estivesse devidamente equipada com o sobretudo de madeira, e está mais rico a cada dia que o sol se põe.
Na verdade estou-me a marimbar se o senhor Amorim vai pagar impostos especiais, extra, do lombo, da perna, da pá ou não, para ser sincero até acho meio apatetada esta história de se inventar um imposto que taxa os mais afortunados só por o serem. Parece absurdo. Agora o que já gosto pouco de ver é pessoas que não passam qualquer dificuldade na vida equipararem-se a quem efectivamente as passa, os verdadeiramente afectados pelas medidas austeras tomadas pelo governo, cada dia em maior número e de forma mais cruel para os que menos têm. Pessoas como o senhor Amorim, cujos filhos, netos, primos, sobrinhos, enteados e afilhados jamais terão de andar a bater pé na rua à procura de emprego ou em manifestações a pedincharem direitos que jamais deveriam ter sido tocados ou alienados, alguns verdadeiramente inexistentes. Direitos, muitos deles, aniquilados por gerações de políticos sacanas e corruptos, verdadeiras bestas que engordaram meia dúzia e secaram tudo à passagem.
Esses sim, deviam ser taxados e de que maneira. Mas esses safam-se sempre. E os ricos? São sempre os mesmos. E vão ser sempre os mesmos.
Via Expresso