A maior parte não vai ao Rock in Rio para ser surpreendido, em termos musicais, entenda-se. As marcas no terreno, essas sim, dão o máximo para serem criativas na forma como tentam seduzir as milhares de pessoas para os seus espaços, mas das bandas, a larga maioria, espera apenas que repliquem os êxitos de sempre e cumpram com o que anseiam, gerando um efeito de reconhecimento, principalmente quando falamos de grupos que tiveram sucesso em décadas passadas, como é o caso dos Linkin Park, Limp Bizkit, Offspring ou Smashing Pumpkins.
Mas por vezes acontecem surpresas. Raramente, mas ocorrem. Foi no intervalo de meia hora entre o concerto dos Linkin Park e dos Smashing Pumpkins, quando muito público partiu em debandada depois de ver os primeiros, que aconteceu. Foi no espaço Vodafone, um lugar de passagem, que a coisa se deu.
Em palco, quatro músicos na casa dos vinte anos, com ar de ianques (de Nova Iorque, diriam depois) que dão pela designação de Oberhofer. Não são a melhor banda do mundo, nem provavelmente a melhor lá do seu bairro, mas mesmo assim foram aquilo (nervo, irreverência, energia, espontaneidade) que quase não se viu ao longo de toda a noite.
Em meia hora os Oberhofer mostraram que o rock está bem vivo, quando ligado organicamente ao pulsar da vida, no seu sentido mais urgente. Quando é apenas espectáculo pelo espectáculo, sucumbe. Ficam os tiques. As astúcias repetidas à exaustão. A quantidade – de som, de cenário, de canções que repetem a mesma receita – em vez da pulsão inevitável. Na segunda metade da década de 90, depois do efeito Nirvana, o rock cresceu para os lados, desligou-se da vida, tornou-se balofo. Sim, existem excepções. Mas são isso: excepções.
O chamado nu-metal cresceu assim, mas foi tendo sempre muitos adeptos. Que o digam os Limp Bizkit, durante muitos anos porta-estandartes do género, há alguns anos algo esquecidos, mas que no Parque da Bela Vista mostraram que em Portugal ainda têm imensos partidários. O vocalista Fred Durst fez aquilo que se espera dele, puxou pela assistência e escalou duas torres de câmaras, enquanto o resto da função ficou a cargo, essencialmente, da guitarra ruidosa de Wes Borland, num início de noite de rock cuidadosamente encenado, algo inconsequente, mas ainda assim com muitos seguidores.
Horas mais tarde, os Linkin Park repetiram a fórmula, mas ainda para mais seguidores. Das 83 mil pessoas presentes – números da organização – a grande maioria estava lá por causa dos californianos. E saíram satisfeitos, cantando em coro canções como In the end, Numb,Given up, Crawling, Somewhere i belong ou Breaking the habit, com o vocalista Chester Bennington a revelar-se o principal impulsionador de um grupo que apostou na exposição dos temas de maior sucesso do seu percurso. Do novo álbum Living Things, quase a ser editado, acabaram por tocar apenas dois temas.
Mas ninguém se importou. A imponente assistência cantou, colocou os braços no ar sempre que solicitada do palco, puxou dos telemóveis e dos isqueiros nos momentos mais melosos e do corpo nas alturas mais enérgicas. Ou seja, a prescrição funcionou sem grande mácula. Mas também, valha a verdade, sem grande emoção. A não ser quando endereçaram uma curta homenagem aos Beastie Boys (Sabotage) ou quando Bennington desceu até ao público e empunhou um cachecol do F.C. Porto que lhe foi oferecido (sem saber, claro, o que estava a fazer) e acabou por ser, com gentileza é certo, assobiado.
Antes já haviam tocado outros repetentes no Rock in Rio, os americanos The Offspring, praticantes de um punk-rock reciclado para grandes audiências, que é tudo aquilo que o punk nos idos anos 70 não queria ser: enfadonho e previsível.
No palco secundário, não se pode dizer que tenham existido grandes rasgos de criatividade na apresentação conjunta dos portugueses Xutos & Pontapés e dos brasileiros Titãs, mas seja em que circunstância for existe sempre verdade e uma forma, ao mesmo tempo empenhada e descontraída de estar em palco, que acaba por conquistar. E foi isso que aconteceu com a ‘superbanda lusobrasileira’, com dez músicos em palco, a divertir-se e a contagiar quem assistia, tocando canções de uns e outros, trocando de papéis (o cantor dos Titãs a cantar À minha maneira, por exemplo) e colocando em acção canções catárticas como Não sou o único (Xutos) ou Porrada (Titãs). Do concerto dos Smashing Pumpkins não se sabia muito bem o que esperar. Em mais de que uma ocasião, Billy Corgan havia dito que mais este regresso do grupo ao activo não significava que iriam fazer render os hinos de sempre. Mas perante tamanha multidão, nem eles resistiram à tentação, optando por uma solução mista: concentrando-se no material do antigamente como Zero, Tonight ou Today, misto de rock furioso e rock sonhador, em versões arriscadas de canções conhecidas (The end is the beginning is the end) e alguns temas que farão parte do novo álbum de originais,Oceânia.
De todos os grupos que passaram pelo palco principal, os Smashing Pumpkins foram, apesar de tudo, os que mais arriscaram. Talvez por isso, em alguns momentos, a assistência tenha parecido algo dormente, mesmo quando foram tocadas, no final, versões como Space oddity (David Bowie) ou Black Diamond (Kiss). Não deve ser fácil um grupo como o de Billy Corgan automotivar-se, apresentando novas canções, e não desiludir quem espera ouvir as canções da sua adolescência. Mas, louve-se o gesto, os Smashing Pumpkins estão a tentar.
Para lá da música, o Rock in Rio, também já não surpreende, com montanhas russas, rodas gigantes, ofertas de sofás insufláveis, enfim, uma Disneylândia no meio do rock, que atrai gente de todas as idades. Há no entanto uma excepção: a zona onde foi recriado o ambiente de Nova Orleães. E foi aí que aconteceu outra das surpresas musicais do festival. Às tantas, ao início da noite, nesse local, fez-se ouvir uma banda americana de clássicos do blues. Sim, era apenas uma banda competente de versões. Mas no meio do alarido, conseguiram criar um clima de algum intimismo. Um milagre na Bela Vista.
Noticia do Público