Nasceu sem braços mas fez dos pés os seus maiores aliados, numa longa caminhada no universo da massagem profissional. Aos 49 anos, Sue Kent conseguiu alcançar o seu sonho: ser massagista olímpica oficial. Com os pés.
Esta é daquelas histórias que merecem ser contadas. Não porque Sue seja uma "aleijadinha", como tanta gente lhe chamou ao longo da sua infância, mas sim porque é uma vencedora mesmo sem levar medalhas para casa. Um daqueles exemplos em que toda a gente que gosta muito do queixoso "vai-se andando" devia pôr os olhos.
Sue tem dois filhos e é uma profissional de sucesso. Embora nos Jogos Paralímpicos nos tenhamos habituado a ver deficientes no estrelato, desta vez chega-nos um exemplo de como a imaginação, aliada à perseverança, podem mudar a vida de alguém que nasceu, à partida, condenado a ser diferente.
Lembro-me de há uns anos ter entrevistado alguns dos nossos maiores campeões. Todos multimedalhados, todos deficientes. Não ganhavam ordenados do género Cristiano Ronaldo... Aliás, muitos deles pagavam para ser atletas de alta competição, com apoios mínimos do Governo do país cuja bandeira foi hasteada ano após ano graças ao seu esforço. O litro deram-no por satisfação pessoal.
Recordo a nadadora Leila Marques , que se desdobrava entre o curso de Medicina e as três horas de treino diárias... com um braço a menos. Trouxe-nos o bronze no Campeonato do Mundo. Recordo também a boa-disposição de Bento Amaral , que ficou tetraplégico aos 25 anos a fazer uma carreirinha no mar e voltou a "encontrar a liberdade" com a vela adaptada. Categoria em que se sagrou campeão mundial, ao mesmo tempo que dava aulas e era chefe de Câmara dos Provadores do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto.
Teria sido mais fácil (ou não) ficar sentado no sofá a dizerem mal da vida que os presenteou de forma tão ingrata. Teria sido até legítimo que perdessem a vontade de tentar dar a volta. Mas não foi isso que fizeram. Tal como Sue, que não se resignou e contornou os seus obstáculos.
Não quero com este texto ser melodramática ou puxar ao sentimento com histórias que realmente podiam fazer parte de um filme, mas que são da vida real. Que podia ser a minha ou a de quem quer que esteja a ler estas palavras agora. Os tempos são cinzentos, é certo, mas paremos de nos queixar por tudo e por nada. Condenarmo-nos ao mundo da inércia parece-me um erro. Com uma fatura demasiado cara para pagar no futuro.