No Agrupamento de Escolas do Cerco, no Porto, o estigma tem perna longa. Para muitos dos que vivem numa relação higiénica, padronizada e distante com a cidade, o Cerco fica longe demais, entre o desalento e a depressão social. Contrariar o destino e os preconceitos são batalhas duras para gente de menos. Mas permitam que vos conte uma história sobre almas grandes.
Paula Cruz e Maria Teresa Borges são duas das professoras responsáveis por ajudar a dar forma ao sonho de um grupo de alunos que, este ano letivo, cumpre o sonho do 12.º ano. No caso, alunos que, na sua maioria, já completaram mais estudos do que os seus pais. O que só engradece os pais e os filhos. Para perceber a importância disto, é preciso dizer que os alunos que concluem os estudos de nível secundário são residuais (pouco mais do que cinquenta por ano). Sinais da pouca valorização do estudo e dos condicionalismos inerentes ao meio, lembram, amiúde, as professoras.
Por isso, o trabalho delas tem sido contaminar os alunos, agora finalistas, com vontades e energias que desafiam contextos e cenários pré-cozinhados. Apesar das conjunturas, das troikas e baldrocas, elas querem ser cúmplices de um sonho. E motivadoras de trabalho e dedicação para agarrá-lo.
E que sonho é o destes jovens? Simples: vencer o cerco e fechar este ciclo com uma viagem de finalistas. Não uma viagem qualquer. Mas, sim, uma jornada onde os afectos, a cultura e a partilha tenham sentido. Uma viagem que mude os olhares, o imaginário e devolva às suas existências a esperança de um caminho. Um caminho que querem escrever eles próprios na folha branca dos seus dias futuros.
As professoras escolheram Itália como destino. Esboçaram-no nas aulas de Literatura Portuguesa. A cada aula que passava, a Itália, uma das matrizes culturais do Ocidente, tornou-se projecto. Sonho. De Literatura Portuguesa a Português, passando pela História e pelas Ciências, entusiasmaram-se as turmas. E o lirismo inicial de que eram acusados deu lugar a assunto sério e comentado.
Falta muito, ainda, para concretizar o sonho. Cerca de 18 mil euros, para não andar longe da verdade.
Mas há muito caminho andado, sem esmorecer.
Este ano letivo, por exemplo, alunos e professores já organizaram um jantar de beneficência, que contou com a presença do Cônsul Honorário de Itália no Porto. Prepararam também a festa de Halloween. Dinamizaram e fizeram a gestão do bar na Festa de Natal do Agrupamento. Fizeram embrulhos no Continente do GaiaShopping durante o mês de Dezembro, sem fins-de-semana, trabalhando arduamente quase até à noite de Natal, com um sorriso nos lábios. E o espírito de grupo venceu o cansaço.
Pelo meio, há ainda exemplos individuais de entrega abnegada: jovens cujos pais até podiam pagar a viagem, mas querem trabalhar para ajudar os outros a ir; jovens que decidiram oferecer-se para lavar as escadas do prédio onde vivem para amealhar a quantia necessária; bons alunos, com pais desempregados, que multiplicam ideias e esforços em nome do sonho. E por aí fora, vencendo o cerco, tentando agarrar o impossível.
A viagem está agendada para a Páscoa. Custa 615 euros por aluno. É uma viagem de autocarro (não se sonha com avião). Mas talvez seja melhor assim. Haverá passagens por Génova, Pisa, Florença, Roma e Veneza.
No Cerco, entretanto, não se desiste.
Para angariar fundos, haverá uma noite de fados no dia 10 de Fevereiro. Está também programada uma festa depois do Carnaval e um pequeno concerto dos Blind Zero, gentileza do vocalista Miguel Guedes, ex-aluno da escola. Já seguiu também uma carta para a SAD do FC Porto, solicitando ajuda. Coisa simples: apenas 50 cêntimos por adepto de um qualquer jogo do clube no Dragão a realizar durante este mês. Desenham-se ainda os pormenores de uma festa com música para os Sub-45 ou sub-50 no início de Março. Grupos de amigos e familiares serão chamados a alinhar e a dar um pezinho de dança ao som de algumas memórias dos anos 70, 80 e 90. Sem tabus nem preconceitos, ajudando a alimentar o sonho.
Há um NIB para quem quiser contribuir (0035 0743 0001 3419 60022).
Mas, acima de tudo, façam o favor de partilharem e serem também cúmplices desta história de muitas vontades que resgata o melhor que somos, desafiando futuros.
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Retirado de A Devida Comédia